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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    O vento assobiava acima do vilarejo com suas fortes rajadas cortantes, carregando toneladas de chuva entre as árvores e a grama. O rio, que fazia divisa entre a floresta e as planícies onde o vilarejo estava, soltava sons horripilantes de pancadas d’água ao longo das pedras e curvas, assemelhando-se a um dragão rugindo do topo de uma montanha para estabelecer dominância sobre as terras abaixo.

    Infelizmente, uma criança despencou no terreno desse monstro. Seu corpo era levado pelo córrego, enquanto seus braços e pernas batiam contra rochas pontudas no fundo do rio. Sangue manchava o que havia ao redor, inundando sua vista com pinceladas vermelhas quando submergiu.

    Seus pulmões pesavam com o tanto de líquido entrando pelo nariz e boca, a língua ardia com o sabor de ferro se alastrando de ponta a ponta e o desespero de lentamente morrer tomou sua consciência. Por um breve vislumbre, avistou uma pessoa próximo à encosta, um garoto loiro sorrindo enquanto assistia à desgraça. Aquele olhar, aquele desprezo aparecendo numa breve visão incendiou uma minúscula fagulha furiosa no coração do garotinho se afogando, mas que não era o bastante para tirá-lo dali.

    Seu maior desejo era somente sobreviver, nem que precisasse cair na parte mais profunda da floresta e andar por dias até voltar para casa. O ar sumia conforme sua cabeça era jogada para fora e para dentro d’água, respirar machucava os pulmões e forçava mais líquido entrar, ao mesmo tempo que o vermelho deslizando pelos membros queimavam a pele. Era como subir por uma parede de espinhos estando nu.

    A consciência fugiu em meio aos golpes na cabeça. A dor agora se comparava a espadadas e marteladas, cada um arrancando um pedaço dos membros e carregando a carcaça embora. Por uma coincidência do destino, em meio às quedas e curvas, seu corpo foi catapultado para fora do rio, longe o bastante para não ser puxado de volta, no entanto, numa situação fatal demais para sequer se mexer.

    Deitado com a barriga para cima e com os olhos sendo atacados pela chuva, Liane, a criança, agonizou com cada lufada de ar, com cada piscada e com cada segundo que seus dedos permaneceram tocando a grama. Os órgãos internos foram trucidados pelos ossos quebrados e os inúmeros cortes cobrindo sua pele só encurtaram o tempo de vida contra a hemorragia. O coração pulava batidas de tão rápido que bombeava os nutrientes ao longo das veias, numa tentativa final para salvar aquela pobre criatura prestes a morrer, um esforço em vão para salvar uma criatura prestes a partir.

    “A irmã Zana ficará muito triste…”, o pensamento ecoou na mente, mantendo-o acordado por mais alguns segundos.

    No entanto, em meio à cacofonia dos pingos caindo do céu e do rio furioso lançando peixes e espuma, uma silhueta apareceu no canto de seu olho. Era uma dama bonita, com um corpo cheio de curvas e cabelo negro como a noite. Pontas vermelhas penteavam os lindos fios que desciam por suas costas, junto a um vestido azul-turquesa que caía até suas pernas.

    — De todas as pessoas que avaliei nesses dois bilhões de anos, você é o mais interessante, pequenino — ela disse, a voz melodiosa carregava malícia nas palavras. — Eu vou escolher este aqui, seus idiotas. Ele é perfeito em todos os quesitos e o considero ao menos um pouquinho fofo… Huhahaha!

    As sobrancelhas de Liane pesavam demais para esboçar uma reação de surpresa. Ele encarou aquela mulher com um mau pressentimento pairando em si, até mesmo maior que a sensação da fria morte se aproximar. Imaginou não ter que se importar com a presença dela, mas se enganou profundamente.

    A moça se ajoelhou e pôs a mão no peito dele. Luzes obscuras rodearam os dois, adentrando a pele do garoto e causando queimação na área, junto disso vieram sons de estalos ensurdecedores de todos os lados. Ela também desapareceu em meio às luzes, transformando-se numa névoa espessa que cobriu o campo de visão, até se dissipar na ventania da tempestade.

    Todo o corpo do menino foi revestido por ardência, igual a estar próximo de uma lareira e esfregar as mãos na direção do fogo, substituindo a dor que circulava da cabeça aos pés. Ele tentou mexer os dedos, estavam estranhamente leves e ao mesmo tempo rígidos, incapazes de se dobrar com facilidade e realizar movimentos rápidos. Lentamente os pés, joelho e por fim o tronco foram capazes de realizar algum gesto, até que Liane forçou a se levantar e precisou de um tempo para manter o equilíbrio. 

    — O que foi isso…? Onde que ela…

    — Uhaaa!! — A criança pulou de susto, entortando o pescoço de um lado para o outro em busca da voz. — Quem disse isso?! Apare…! Ai, meu pescoço…

    O garotinho fechou a boca. Acreditou ser a mulher, pois a voz era igual, mas para onde diabos ela foi depois de se transformar em névoa? Ele escutou sobre pessoas com capacidades incríveis, desde destruir castelos inteiros com um relâmpago e espantar monstros enormes com bolas de fogo do tamanho do sol, mas nunca as viu, nem mesmo ouviu falar de alguém que virava neblina. 

    — Quem é você?

    — Comandar? — Sua sobrancelha se ergueu. — Mas você não pode mandar em mim!

    — Bem, eu… não sei…? 

    — O que é um receptáculo? E por que você tá na minha cabeça?

    Liane ponderou por um tempo, tentando compreender mais algumas coisas sobre quem era essa suposta pessoa dentro de si. Era difícil entender como alguém habitava dentro dele, só não mais que achar um motivo para a mulher fazer isso. No melhor dos casos, preferia que estivesse do lado de fora.

    Assim que a dúvida veio a mente, partículas sombrias escorregaram para fora do seu olho esquerdo, projetando uma silhueta trêmula e disforme. O garoto deu um passo para trás de susto.

    — Você consegue saber o que penso? E por que você veio até mim?

    Era compreensível, só assim para sumir em pleno ar. Ele duvidou se deveria acreditar ou não, mas levando em conta a falácia daquele espírito e como ainda o ajudou a não morrer, Liane estava mais do que disposto a acreditar. Era como sua irmã Zana dizia: “É ingratidão desconfiar daqueles que te ajudam, mesmo com uma razão ruim por trás”.

    — Qual seu nome?

    — É sim… Como que você sabe, Erika?

    — Eu vou tentar…

    Com aquela estranha ajuda ao seu lado, a criança caminhou devagar seguindo o rastro de destruição do rio, atacado pela chuva descendo pelas pontas do cabelo de tigela e com uma parceira de conversa bastante mandona falando dentro da mente.


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