Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 31: O Sonho
As reações de Er’Ika superaram as mais diversas formas de descrever surpresa. A aceitação do seu destino se demonstrou repentina, quando na realidade ele usou cada mísero segundo para achar uma saída, e por mais que tentasse, não a encontrou. Foi um balde de água fria, seu desespero só permaneceu silencioso porque seu orgulho continuava enorme se comparados com os demais sentimentos, mas o medo existiu, uma sensação surreal e horripilante de não ser dono do próprio destino. Aquela foi a primeira vez que sentiu tal terror.
Contou os segundos e os minutos prestes a ver seu mundo desabando, a sentir a escuridão emergindo dos cantos da consciência para enfim desaparecer. Ironicamente, Er’Ika não se comportava igual a um ser vivo, em que ao ser posto numa situação de perigo extremo, a mente da criatura faria qualquer coisa para escapar e manter-se bem. Ele simplesmente não conseguia pensar assim, era muito mais metódico e calculista, logo, a aceitação de que isso aconteceria veio sem resistência, como se tivesse sido colocado contra a parede. Era semelhante a ser jogado no fundo do poço, sem luz para ao menos confortar a alma.
Agora, estava analisando friamente seu amigo Liane deitado numa cama confortável e isolado do resto do mundo. A segunda poção de cura veio a calhar, grande parte das feridas externas foram curadas num curto espaço de tempo, o problema eram as internas, das quais possuíam uma complexidade muito maior que o esperado. Seria um problema enorme consertá-las. Er’Ika ainda assim teria que vencer o desafio e colocá-lo numa posição estável.
É bizarro para mim pensar no que aconteceu. Achei que morreríamos, fiquei até fora de controle, então você me surpreendeu assim. Aquilo não fez e ainda não faz o menor sentido para mim, só que essa sua coragem e poder trouxeram uma admiração minha sobre você, pequenino… Pena que continuou irritado por causa da nossa situação de perigo.
Elogios não eram do seu feitio. Ambos estavam juntos somente por necessidade e por isso deviam ajudar um ao outro. No entanto, aquele acontecimento despertou uma gama de sentimentos na entidade, coisa que antes não existia. De alguma forma, ele estava mais “livre”.
Era estranho, se assemelhava a ter consciência de si pela primeira vez, agora precisaria viver com essa coisa habitando sua rede de dados. Ao menos, por estarem vivos, um novo banco de informações foi absorvido e agora seriam integrados à memória, mas isso exigia tempo. Então, em meio ao trabalho monótono e testes com as novas “emoções”, surgiu um tipo de névoa no canto da cabeça de Liane. Era um sonho.
Er’Ika conseguia acessar muitas coisas do consciente de Liane, estas informações ficavam arquivadas e organizadas num amplo banco de dados para que a qualquer hora pudesse revê-las, porém existia um espaço em branco, um vazio. As informações inacessíveis habitavam seu inconsciente, um lugar caótico dentro da cabeça do garotinho em que era difícil ter uma coleta precisa de informações, além de que muitas vezes aquele lugar era um tipo de mar inquieto, então recebia pouca atenção.
Algumas vezes os sonhos manifestavam essas partes ocultas de maneira mais concreta, logo a entidade gostava de assisti-los para ver que outros elementos adicionaria. Aquele sonho em específico era estranho, a visão corria por uma casa ampla com um grandes jardins verdes, enquanto o chão permanecia muito longe. Quando a vista se mexeu, ela recaiu sobre uma mulher que o segurava no colo.
Ela… ela se parece muito com Liane. Seria a mãe dele? A sua vida antes dos cinco anos de idade está em branco no que posso acessar, então talvez essa lembrança venha dessa época.
A moça, mesmo que pálida como um fantasma e de rosto adoentado, sorria largamente. Seu vestido azul-turquesa combinado às joias reforçavam a imagem de boneca de porcelana, engrandecendo sua beleza ainda mais.
Espere, atrás dela tem mais alguém… uma empregada ruiva?
A face da empregada estava borrada, somente seu cabelo e roupas permaneceram perfeitamente desenhados. O rosto da moça que o carregava no colo era o único evidente, este foi imediatamente registrado para futuras ocasiões. A cena continuou com uma lenta caminhada pelos campos esverdeados, com a empregada sempre por perto.
Tudo era curioso, especialmente a forma como a madame andava despreocupada, como se o mundo fosse um lugar feliz e seguro. Ela poderia sim estar na sua propriedade e não ter nada a temer, mas a forma de andar dizia outra coisa, semelhante a marcha de uma rainha no topo de tudo e todos, sem que nada pudesse abalá-la e as pessoas comuns sendo consideradas minhocas se comparados a ela.
— Liane, oh, meu querido Liane — ela disse, mexendo-o de um lado para o outro numa dança alegre. — Você é o filho que sempre quis. Tem o meu rosto, os meus olhos, a minha pele e a minha beleza, também não duvido que terá a minha força também. Você é parte de mim, e eu te amo por isso.
Uma risada saiu de sua boca, mas tal riso possuía um tom estranho, carregado de algo que Er’Ika não soube identificar.
— Eu espero que cresça logo, meu menino, assim você realizará o sonho da mamãe, tá bom? — Ela o beijou na bochecha, uma ardência repentina indicava um sinal de vergonha. — Não precisa ficar assim, meu bebê. Eu sei que não me entende agora, mas no futuro, quando ficar grandinho, eu e você teremos o céu e a terra, que viveremos felizes juntos, só nós dois, abraçando o mundo como ele devia ser.
O sorriso continuou a crescer mais do que devia, então, com um som de placas de metal se movendo, o sonho terminou.
O que?! Por que justo agora? O que você quer dizer com Liane ser igual a você? O que diabos significa “abraçar o mundo como ele devia ser”? Caramba, volte e me fale mais!
A raiva de Er’Ika não poderia ser maior, aquele sonho até agora foi o mais revelador e singular possível, mas agora se perdeu na eternidade. Tudo lhe causava dúvidas, desde saber que local era aquele e quem era a empregada ou de onde vinha o som de metal. A frustração permaneceu, pois não haviam respostas.
Ele só podia rebobinar uma cópia do sonho e criar mais perguntas para quebrar sua mente curiosa a respeito da identidade desse misterioso menino.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.