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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Inferno…

    Er’Ika queria muito bem sair desse disfarce. A habilidade de transmorfar em outras criaturas era muito útil para controlar as outras pessoas e usar suas crenças contra si mesmos. No caso, ele escolheu a forma de fada porque era uma criatura mitológica, crida como um ser de bom agouro e lendário ajudante dos heróis, no entanto, odiava usá-la, tanto que desde então manteve-a quieta por uma questão de honra.

    Mesmo que seu comportamento às vezes se assemelhasse a de uma rocha fria, havia um certo senso de superioridade na entidade que o forçava a negar certas coisas detestáveis — uma dessas era a questão do tamanho. Ser diminuto comparado aos outros, especialmente os adultos e monstros à fora, lhe causava nojo indescritível, logo, preferia admitir o uso de sua mudança física como só uma estratégia para facilitar as coisas. A pressão vinda de Zana era tão desconfortável ao ponto de cogitar sair na sua verdadeira faceta.

    Se eu fizer isso, com certeza chamarão aquele bispo e juntarão pessoas para me exorcizar. Não sei exatamente quem são os parentes do garoto e qual a relação de Zana com ele, mas reconheço sua influência e como provavelmente dão valor ao pequenino. Que ódio…

    Com um suspiro mental, Er’Ika se retirou da sombra de Liane, tomando a estatura de uma simples fadinha. Seu brilho avermelhado era incontestável, chamando atenção igual uma joia preciosa. O rosto féerico era humanoide, simples, com olhos escuros e um par de asas quase transparentes de tão finas. Sequer havia roupa, apenas um corpo andrógeno desprovido de qualquer genitália, mas com pouquíssimas curvas.

    — Oh, eu achava que era mentira… — falou Zana, agora receosa de se aproximar da criatura. Seu semblante estranhava a fadinha. — Então você quem ficou do lado dele esse tempo inteiro? Eu sinto que te devo um pedido de agradecimento, cara fada.

    A mulher fez uma breve referência de cabeça baixa, e Celine, a menina cega, que por um instante congelou no momento, também fez o mesmo. Er’Ika ergueu o queixo, por algum motivo seu nariz cresceu horrores só de ficar daquele jeito.

    — Sim, sim, sou eu. Sou mesmo muito bom no meu trabalho, até me ofendi quando duvidou da minha existência!

    — Por favor, não quis dizer isso! Hoje em dia, poucas pessoas ainda creem nos folclores antigos, então…

    — Oh, claro, como se demônios e outros seres sobrenaturais não fossem reais. 

    O féerico fez um beicinho, indignado não só por manter aquele estado físico, mas também por tolerar os absurdos da humana à sua frente. Ele não existia? Que ultraje, sua existência era eterna como um deus, mesmo os que não sabiam disso, deveriam ter menos noção do peso de suas palavras. 

    “Erika, não seja tão dura com Zana, ela nem sabe da verdade…”

    Deixe-me ser o quão duro eu quiser, não suporto continuar usando isso e suportar tal vexame.

    “Sério, não tem graça! As duas se assustaram por conta do seu comportamento!” Liane franziu as sobrancelhas, irritado com os modos infantis da entidade. — Maninha, relaxe, Erika é sempre assim! Se anima, ele vai ficar tranquilo depois de passarem um tempo com a gente!

    — Jura? Que bom… — Um alívio passou pelo rosto de Zana, mais sossegada que estava fora da mira de um ser mítico. — Eu não gosto de inimizades, ainda mais com alguém lendário. Por favor, senhorita fada, perdoe-me.

    — Ca-ham — pigarreou Er’Ika, com mais desdém —, nada de senhorita.

    — Então, senhor…?

    — Sem senhor também? Pelos céus, humanos são indelicados demais para se referir a algo além das suas concepções fisiológicas entre espécies! 

    Com um bufo furioso, o corpo etéreo de Er’Ika desapareceu no ar, sinalizando sua partida e a clara raiva ressentida. Liane apenas ficou parado, meio sem graça e tocando a ponta dos dedos, disfarçando a óbvia vergonha de apresentar a entidade depois de tanto tempo. Era um segredo guardado, ambos se conheciam há meses e isso nunca fora comentado para Zana, logo, havia uma certa culpa a respeito.

    O deus retornou ao seu local de descanso, o castelo imaginário de onde via e ouvia tudo pelos sentidos do receptáculo, abdicando daquele corpo pífio de fada e aderindo ao nada, ou melhor, um conjunto de ideias e conceitos para compor o que chamava de “corpo”. Era semelhante a arrancar uma roupa apertada e se despir em cima da cama.

    Dali, analisou os míseros detalhes das duas. Sinceramente, estava mais interessado na menina Celine, pois todo esse tempo ao lado de Zana demonstrou pouquíssimo perigo ou mesmo qualquer coisa de se atentar. A essa altura, os meses no orfanato criaram um conjunto de informações rico o bastante para não dá-la mais atenção, retratando desde sua aparência aos gostos mais pessoais. Claro, também havia coisinhas a mais, perversões nunca a serem descobertas pelo garoto, mas isso era um segredo.

    Enfim, os minutos voaram com rapidez, retomando a boa e velha noite. Não havia nada de sério a se notar, e felizmente a presença de uma suposta fada não fora requisitada novamente, dando paz ao deus estressado. Ele podia recorrer toda a sua atenção à garota Celine, aquela com quem passariam os próximos meses ou anos juntos, sendo importantíssima de se ter nota caso servisse de algo. Sua habilidade de localização aparentava ser muito útil, no entanto, as poucas reações dela a tornavam uma boneca dificílima de ler. 

    Ao menos, ver Liane se enturmando com Zana e mais recentemente com a menina cega de certo modo agradou Er’Ika. Ele era uma entidade que amava ver amargura e caos, mas nem por isso desejava um sofrimento eterno ao receptáculo, além do mais, seria redundante querer que ele sofresse quando habitava aquele lugar. Por isso, a calmaria do mundo lá fora, mesclada com algum jogo sútil de dados, cartas ou adivinhação lhe causavam uma inveja.

    Ele queria estar ali, brincando em meio aos outros, sem se isolar nos confins de uma pequena mente. Uma pena que esse desejo era impossível, um deus nada havia de lidar com mortais, e não era como se o próprio fosse um tipo de humano ou ser inferior para realizá-lo. Naquele trono invisível, num castelo imaginário acima de uma cidade mental, Er’Ika acreditava estar seguro.

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