Capítulo 80: Investida Mal-Executada

Grey, na hora que viu a transformação de Milea, teve o maior arrependimento da sua vida. Ninguém esperava que uma santa estivesse possuída, além do mais, era algo inédito, porém o aviso de Jessia tinha sido claro e ele não acreditou, cogitando serem palavras para distraí-lo. No final, a mulher estava correta, e por falta de cuidado, a equipe do paladino parou numa situação péssima.

Com a passagem bloqueada, continuariam presos dentro do território inimigo, mas não só isso, como outra causalidade teve certo efeito na consistência da equipe. Joan, que ficou ao lado de Brutus, levou dano no meio do fogo cruzado, agora um enorme corte jazia no seu peito. Quanto ao gigante do machado, só pequenos arranhões cobriam os braços, mas o estado trêmulo de suas mãos indicava outra coisa.

Demônios tinham uma força muito maior do que o corpo humano que habitavam, poderia-se dizer que abusavam daquela carne por não sentirem dor, e por isso uma pessoa comum combater um ser de outro mundo era ridículo de se cogitar. Sem uma santa para realizar milagres divinos e repelir as forças do mal, seria impossível enfrentá-los.

Era por isso que a confiança do paladino tinha caído por terra no momento da traição. Ele podia de certa forma usar um milagre de cura, no entanto era tão bom quanto uma poção de cura e sem a mesma efetividade de uma santa. Seu foco voltado para a luta trazia esse contra.

— Tudo bem, pessoal, vamos reagrupar nossa formação. Não temos como voltar atrás.

— Grey, agora é loucura! — afirmou Ludio, apoiando-se no cajado com o rosto espantado. — Temos dois dos nossos feridos e somos cinco, sem uma santa para nos proteger de maldições e feitiços do outro demônio. Além disso, você sabe que esse é mais forte que o normal, ir contra ele seria suicídio!

— E o que você quer que eu faça?! Eles já devem ter notado a gente e estamos presos aqui embaixo!

O desespero se evidenciou no semblante raivoso de Grey. Raramente ele tinha raiva, era um dos mandamentos de Lithia manter o controle e ser tranquilo para com os vivos, mas conter as emoções naquela situação crítica se provou impossível. Ele se culpava pelo erro, se tivesse mais paciência ou prestasse atenção nos companheiros de equipe, nada disso teria acontecido. 

A essa altura, arrancar o cabelo e gritar por um milagre virou uma opção palpável pela gravidade da situação. No entanto, se Relena não estivesse ali, com nervos de aço e dando um tapa no rosto do paladino, as coisas teriam sido muito piores.

— Acorde, idiota! Ainda temos a chance de sobreviver, ver você endoidando mesmo antes de tentar qualquer coisa me dá mais vontade ainda pra te bater!

O temperamento quieto dela saiu de seu espírito. De frente para um bando de idiotas perdendo a cabeça, ela não pôde manter a carranca de líder fria e distante. Sua mente ainda estava numa complexidade grande quanto a Milea e sua possessão, talvez dada no último serviço que fizeram, ou seja, ela também queria assumir uma parcela da culpa por sua insensatez como líder de ter demorado a perceber.

— Nós temos que pelo menos lutar! Deve ter um jeito de sair lá em cima, e só tem como descobrir levantando a cabeça e sacando as armas. É melhor morrer ajudando seus amigos do que desistir antes de sequer fazer alguma coisa!

Com essas palavras, Relena tirou o martelo e o escudo das costas, virando-se para a escadaria em frente. Grey ficou atônito, o choque de realidade — ou talvez o tapa. — fez sua mente se acender, e ele logo procedeu em sacar a espada e segurar o símbolo de Lithia com força, enquanto colocava o primeiro pé no degrau.

Os outros seguiram o exemplo, tirando o lado amedrontado para agarrarem uma esperança pela sobrevivência. Dessa vez, Joan ficou próximo a Ludio por estar ferida, enquanto Brutus lidaria com a retaguarda sozinho. Eles estavam arriscando tudo o que tinham na empreitada, mas agora que vieram tão longe, era impossível voltar atrás.

A localização exata deles era no subsolo, na parte mais profunda da prefeitura, onde normalmente seriam os banheiros, então faltava outro andar até chegarem à porta da frente. Como esperavam, havia pessoas lá que notaram a entrada nada silenciosa deles, em específico eram homens encapuzados e com máscaras de animais, idênticos ao culto que Grey e sua equipe enfrentaram.

— Que surpresa agradável — um deles disse, a máscara do sujeito em questão era em carne viva, com pedaços de ossos rasgando os músculos e tendões da cabeça do animal. — A que devo a honra de convidados tão carismáticos e famosos como vocês?

O paladino não respondeu. Seus olhos pareciam cheios de chamas enquanto encarava o cultista, a espada nas mãos refletia a luz dos luminorbes instalados nas paredes e no teto. Ele tinha nojo daquele ambiente, um grande espaço aberto feito de pedra, com símbolos rústicos desenhados em vermelho nas paredes e no teto, junto de pessoas acorrentadas contra o chão e com os pulsos cortados.

Na extremidade oposta do quarto, havia uma série de jaulas com pessoas presas, e era mais do que óbvia para que estavam ali: sacrifícios. Grey apertou ainda mais o cordão de Lithia, então um fulgor espectral rodeou seu corpo.

— Demônio vil, aqui e agora eu…!

Nenhuma palavra saiu. Aquela mera pessoa, em um único segundo, soltou uma pressão tão forte que calou o paladino. Essa pressão era puramente feita de energia demoníaca, fazendo até os demais integrantes sentirem frio na espinha.

— Você não me respondeu — disse ele, juntando as mãos esqueléticas. — É uma pena, sei que paladinos são muito quietos em suas palavras, e também sei que não dirá o que aconteceu com meu caro colega. Sei que não foram vocês que se livraram dele, já que o seu ritual foi realizado com sucesso… então, eu aproveitarei o nosso tempo para usá-los antes do grande show.

Da ponta do dedo, uma agulha fina voou em direção aos aventureiros, mas não acertou Grey, e sim a pessoa que estava ao seu lado, Relena.