Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 181: Fumo e Neve
Jessia tragou a fumaça dentro de um cachimbo. As substâncias correram pelo sangue e sua boca dispersou uma cortina cinza no ar frio. Era inverno de novo, as pessoas se abrigavam dentro de suas casas recém-construídas próximo a uma lareira. Alguns mais sozinhos, outros bem acompanhados, todo tipo de gente transitava numa Verdan em constante evolução.
Quanto a ela, tudo o que aconteceu foram os trabalhos mais recentes, seja da igreja ou algum rico maluco pediu um favor em troca de várias moedas de ouro — subjugação de algum monstro ou até ensinar combate a outra pessoa. De qualquer modo, sua vida estava melhorando a passos lentos, mostrando sinais com a cor dourada na mesa por meio de pequenas peças de metal e nenhum assassino a perseguindo.
As coisas estavam calmas, calmas demais para o seu gosto. Uma paranoia ou outra se formava na cabeça sobre o que diabos o marquês Sion e o bispo Vylon estavam pensando em fazer: talvez amarrá-la numa masmorra para apodrecer pelo resto da vida, montar uma grande execução pública com provas de crimes passados, expor sua identidade ao mundo e jogá-la aos lobos… tantas possibilidades causaram dores de cabeça, por isso aproveitava um pouco do cachimbo, luxo comprado por meio de dias de trabalho.
Ainda assim, as botas nos pés pareciam pesadas sobre a neve. Os ombros enrijeciam conforme o sol fazia seu caminho no céu, retomando a um estado que era bem familiarizada: a velhice. Ela perdeu muitas das qualidades da juventude, tendo recuperado-as por meio do experimento maluco da entidade, mas isso se mostrou desaparecer devagar sem que se desse conta. Também já não adiantaria pedir a Liane fazer alguma coisa, duvidava muito que o garoto tivesse conhecimento da vida eterna.
O sabor agridoce de ervas queimadas no fornilho voou aos lábios mais uma vez, trazendo uma calmaria meio surreal a Jessia. Havia experimentado no passado coisas como cigarros caseiros e até outras drogas mais fortes, mas aquilo realmente era bom, e até a deixava parecer chique no meio dos plebeus. Não era nada ruim, só muito diferente do que se acostumou a vida inteira.
“Agora eu sinto vontade de mudar meu passado. Porra, que merda fizeram com minha cabeça?”
Enquanto se perguntava isso, ela avistou algumas crianças brincando no meio da neve, construindo castelinhos e arremessando bolinhas uns nos outros como uma guerrinha improvisada. Nenhuma delas empunhou uma arma, muito provavelmente nem matariam durante seu tempo de vida, e ousavam esboçar risadas idiotas e serem barulhentas naquela fria manhã.
Jessia viu uma garota cabelo longo loiro rolar pelo piso branco. Sua silhueta marcou o chão, mas ela não demorou para se levantar, montar uma bolinha de neve e arremessar contra seu agressor, um menino de idade semelhante.
— Toma isso pra aprender a nunca mexer comigo, babaca!
Uma ofensa sem peso, rodeada de brincadeiras, que nunca levariam a sério. A mulher fumando seu cachimbo não conseguia desviar atenção daquele grupo de pirralhos brincando, imersa em vê-los zoarem os amigos e provavelmente obterem a responsabilidade de dar ao outro um resfriado no dia seguinte. Uma cortina de fumaça se elevou acima de sua cabeça, misturando-se rapidamente com as nuvens cinzentas carregando flocos de gelo. Nenhum comentário sarcástico saiu de sua boca, somente os olhos acompanhando a criançada se mexer.
Para garantir a sobrevivência, Jessia fez muitas coisas da qual não se orgulhou e outras que faria de novo por pura raiva. Matar, prostituir, escravizar, trair — uma imensa gama de palavras estavam no seu dicionário interno, muitas delas foram cometidas sem peso na consciência com o propósito de ganhar vantagem sobre outros. Ela também nunca teve a chance de se apaixonar por causa disso, nem de construir uma família e muito menos de adquirir qualquer coisa da qual se orgulhasse.
A morte do dragão na Vila do Dente não era feito seu de verdade, aquela honra de heroísmo era uma falsidade criada para ocultar os pecados que cometera no passado. Desde o princípio, aceitou-se como alguém suja por dentro, como alguém que devia abaixar a cabeça diante das próprias atrocidades que cometia… e agora, estava imersa naquele cinismo entre pouco se importar com o passado e olhar para o arrependimento com uma tremenda agonia.
“Eu estou me sentindo culpada? Eu?”
Sua máscara caiu. Não merecia esse sentimento, não merecia a admiração dos outros e nem mesmo deveria estar naquela cidade, ocasionalmente aparecendo na vida já resolvida de Liane, mas era impossível a sensação de se assemelhar a merda. Era tarde demais para admitir um erro, faria diferença? As famílias que matou continuariam mortas, as pessoas sequestradas ainda eram escravas e meio mundo ainda a odiava por baixo dos panos. Já não valia mais a pena se importar em redenção quando nunca haveria.
Ela jogou o cachimbo no chão e pisou com tudo, partindo-o no meio e apagando as labaredas num monte fofinho gelado.
“Isso não faz bem pra mim, como pensei.”
Jessia puxou o casaco um pouco para cima e saiu dali, andando sem destino pelas casas simples da cidade. O templo de Lithia continuava em reconstrução, suas paredes pareciam crescer para o alto igual uma árvore ao longo dos anos, enquanto moradas menores foram feitas para proteger os residentes do frio. Já ela, morava numa taverna que por sorte ficou em boa forma, oferecendo um quarto quente e pelo menos uma lareira para aquecer os pés.
Sequer lembrava do nome do dono, e muito menos dava atenção aos funcionários — no final do dia, o que importava era sua cama e uma aljava pesada para dormir em paz. Fazia um tempo que evitava Liane, e na sua visão, era a melhor escolha a se fazer. Ela temia trazer a ira de um deus ou alguma outra criatura sobrenatural que lhe amaldiçoasse por toda vida, então preferia o isolamento.
O mesmo valia para os aventureiros que encontrou na Vila do Dente. Mesmo com alguns ocasionalmente fazendo visitas a cidade e eles se deparando por coincidência, Jessia fingia não conhecê-los e seguia com sua vida normalmente.
Assim seria, assim continuaria, até o dia que morresse. Pena era desnecessária, redenção era inútil. Este era seu destino como uma falsa heroína, o fruto de suas péssimas escolhas, coisa que nunca queria ter percebido quando ainda era uma criatura má no mundo.
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