Índice de Capítulo

    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Chuva e trovões. O clima amanheceu péssimo, e Liane não conseguia parar de olhar para o lado de fora, imerso em si. Sua mente às vezes travava, ele temia a própria sombra a persegui-lo e queria encontrar um lugar em profunda escuridão para não enxergar nada. Enrolado por lençóis, uma ventania fria passou por baixo da fresta da janela, levando consigo pequenas gotas de chuva a mancharem o piso.

    Queria ficar apenas descansando debaixo das cobertas, ver o tempo passar lá fora, tudo por conta dos pesadelos. Ele se via próximo daquela coisa de novo, que se assemelhava a Er’Ika, mas que de algum jeito não transmitia sua mesma personalidade e sempre o analisava com uma curiosidade esquisita. Às vezes, uma visão melhor elaborada aparecia das cenas que presenciou antes, do inferno glacial ganhando rostos familiares e figuras mais bem definidas.

    A vila com um relógio se mostrava idêntica em toda ocasião, enquanto as torres de areia tiveram suas formas detalhadas e o rosto da mulher com vestido de prata se tornou completamente reconhecível. Os olhos dourados dela encaravam diretamente a ave de estrelas, seu cabelo ondulado e preso em coque e com mechas caindo pelas laterais do rosto. Ela tinha uma cicatriz abaixo do olho direito, um corte que fazia a volta por baixo do queixo e chegava no começo do pescoço. Era um risco limpo, sem imperfeições, feito por uma faca afiada.

    Melancolia rodeava essa pessoa, seja lá quem fosse, e seu clamor a ave endeusada precedia a destruição das torres. As visões repetiram em ciclos constantes, evoluindo em detalhes muito lentamente, agregando mais informações conforme os dias passaram. Liane queria saber o que significavam, queria poder conversar com Er’Ika diretamente e lhe perguntar o que estava acontecendo, mas tudo se resumiu a um pensamento inútil sem oportunidades para contactar a entidade.

    Da última vez, ele ficou muito tempo conversando com a Santa Cristal a respeito dessas visões, e ela lhe explicou que poderia ser um momento que Er’Ika vivenciou no passado. Quando exatamente aconteciam, porém, eram um completo mistério. Nenhum dos textos históricos que procuraram mencionou a existência desses tipos de sociedade, exceto pela primeira parte, a respeito da terra congelada. Aquela descrição batia com um manuscrito muito velho da igreja, falando sobre o local em que os demônios nasciam e governavam.

    Dizia ser um lugar distante, seco e desprovido de vida, mais gelado que o topo das montanhas e cercado por neve. A passagem em si não era levada ao pé da letra, porque nenhum fiel de fato viu o submundo com os próprios olhos, porém não seria difícil se assemelhar a ideia… mas quando esse trecho foi retirado, uma nova suposição surgiu entre Cristal e Vylon. Seria Er’Ika um demônio?

    Liane acreditava que não, e em nenhum momento os demais sentiram energia demoníaca. Ela seria exposta por meio do ritual de selamento ou pela proximidade entre os membros da igreja, só que isso jamais aconteceu, atenuando o mistério a respeito da identidade desse ser.

    Entre essas dúvidas, estava um pobre garoto quieto olhando para o tempo chuvoso, perguntando-se o que ocorreu a Er’Ika. Esfregou as mãos, com um pouquinho de frio devido ao clima, então decidiu apertar os lençóis contra o corpo e sair do quarto. Nenhum movimento além de passos atrás, provavelmente os de Grey ou Celine, apareceram no ambiente. Ele decidiu chegar até a sala de estar, onde uma enorme estante fora instalada cheia de livros. A maioria não tinha nada a respeito de estudo ou ensinamentos importantes de um mago velho.

    Eram histórias. Histórias de dormir, de fantasia, de romance, de tudo.

    Liane empurrou uma escadinha para perto e pegou um dos livros, nomeado Jardim dos Sonhos. Ele contava a história de, obviamente, um jardim repleto dos sonhos das pessoas e em que as pessoas podiam enxergá-los florescerem e se transformarem em realidade. Os protagonistas eram um rapaz jovem e uma menina, amigos separados por um desastre que aconteceu na vila que moravam, até se reencontrarem dentro do jardim.

    “Essa personagem parece a Silva…”

    Infelizmente, a personalidade das duas se assemelhavam muito, com o jeito forte e extremamente assertivo, mas que por dentro mostrava lapsos de fragilidade.

    — Hehehe, que legal. — Passou mais uma página, divertindo-se um pouco naquela história. — E aqui o protagonista vai confessar seu amor pela amiga? Hum, que chato, os autores sempre escrevem isso perto do final para terminar a história… por que tudo tem um romance? Que coisa complicada.

    Liane leu cada parágrafo, até em dado momento levantar a cabeça. Passou-se um tempinho desde o começo da leitura, então Celine apareceu para preparar o café da manhã para a mesa. O garoto imediatamente soltou o livro e correu para perto. Ele tinha certeza de que a empregada faria a atividade com perfeição mesmo com a cegueira, porém o motivo para se aproximar era outro.

    — Deixa eu mexer, deixa eu mexer!

    — Mestre, se você continuar me substituindo nessas atividades, não terei mais trabalho…

    Com uma falsa tristeza, a jovem deu espaço para Liane olhar os pedaços de legumes flutuando numa panela sobre o fogo quente. Uma das especialidades do garoto era a cozinha, então jamais perderia a oportunidade ostentar um pouquinho os seus talentos.

    — O café da manhã é por minha conta!

    — Hah. Mestre Liane, assim eu serei expulsa dessa casa…

    Celine balançou a cabeça em negação e se afastou para o menino realizar sua mágica. O dia, mesmo chuvoso, ganhou pequenos tons amarelados. A chuva não pararia tão cedo, mas o que importava era por ora aproveitar o bom momento dentro de casa, com sua família e usarem bem o dia de “folga forçada”. Digamos que, devido ao evento do desmaio, Liane obteve uma licença para descansar em casa por uns dias antes de retornar às aulas de Niara e Ludio, logo ele queria apenas relaxar pelo tempo que fosse.

    Logo Zana se juntou à manhã, o capitão Merk e Grey não demoraram para aparecerem. Todos de certa forma faziam parte daquela “família improvisada”, dava até para entender que Zana era tipo a mãe, Merk o pai e Grey o irmão mais velho. A imaginação fértil de Liane logo apagou a imagem, porque Merk nunca teria uma chance com a irmã Zana mesmo se tentasse.

    Com um sorrisinho, ele aproveitou seus legumes no prato.


    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota