Índice de Capítulo

    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Liane queria colocar em prática um plano para afastar Solaris de si, no entanto, havia uma certa coisa a ser atendida antes de qualquer outro compromisso. A expressão de Grey, anteriormente alegre e risonha para brincar com o fato de que seu protegido arranjou um casamento, mudou de ponta cabeça conforme andavam pelos corredores da academia. Isso era uma reação normal, além do mais, não se sabia quando um demônio ou monstro sairia da esquina e os atacaria.

    O paladino optava por manter a guarda sempre alta, atentando-se a qualquer nuance que visse, até o contato direto com outros funcionários no recinto ou alunos lhe soava absurdo. A razão pela troca de humor era simples, a memória de que a professora possuía energia demoníaca dentro de si e que talvez algo perverso acontecia nos terrenos acadêmicos daquele lugar estavam lhe dando nos nervos.

    Poucos dias atrás, não muito antes da descoberta que fez, sua irmã ligou falando a respeito de uma expedição que fariam para a floresta da Rosa Negra, procurando ruínas encontradas por um conhecido em comum chamado Astaloph, o mesmo autor do Demonicon cheio de estudos a respeito de demônios. Essa sequência de eventos fez sua cabeça girar, pois não conseguia acompanhar as informações circulando.

    A excursão teve de ser adiada, pois a questão de um cultista demoníaco interagindo com um grande grupo de alunos e inocentes seria muito perigoso considerando a natureza dos rituais. Grey se encaminhou para um lugar isolado na academia, onde ninguém pudesse vê-los e que teria plena noção de um inimigo vindo de todas as direções. O medo de até alguém ouví-lo era real, já que essas criaturas infernais eram imprevisíveis demais para se comportar com serenidade.

    Liane estava ao seu lado, então pegou a pedra comunicadora e estabeleceu comunicação com a santa. Não muito depois, o centro brilhou levemente.

    — Que bom que você me chamou — respondeu a santa, sua voz baixa e relaxada como sempre. — Houve alguma mudança ou acontecimento estranho?

    — Até agora, não, só estou preocupado com a nossa segurança. Está tudo muito tranquilo, muito quieto. Te liguei porque acredito que seja melhor sairmos daqui o quanto antes para a nossa segurança.

    — E qual o estado de Liane?

    — Bem… Eu não sei direito. Ele está do meu lado, mas você ficaria surpresa em saber que ele se casou ontem.

    — Grey, para com isso! — falou o garoto, tirando a pedra comunicadora das mãos dele e aproximando-a para continuar falando: — Oi, Cristal. Eu tô me sentindo ótimo, nem um pouquinho nervoso. Mas o que o Grey disse é verdade, eu também não vi e nem senti nada relacionado a atividade demoníaca.

    — Hah. Sua voz está um pouco trêmula, Liane, mas não vou questionar isso por agora — respondeu a santa, aparentemente cansada demais para se tratar com os absurdos das vidas de outras pessoas. — Que tal usarmos a excursão como desculpa? Podemos dizer que você precisou fazer uma peregrinação para se relacionar com a deusa, creio que o diretor Trion entenda e lhe deixe sair por um tempo. Usaremos essa janela para mandar os nossos agentes para dentro da Academia e investigar, então podemos aproveitar e dar uma olhada nas ruínas que recebi no relatório.

    O plano parecia decente, mesmo que parcialmente antitético de acordo com os padrões religiosos. Se não houvesse uma bomba dentro de Liane, Cristal nunca cogitaria esse plano, ela inclusive rezou do outro lado da ligação para que sua deusa a perdoasse.

    — Então está combinado — disse Cristal, com uma tranquilidade estranhamente incômoda. — Liane, mantenha a discrição e evite contato desnecessário com a professora. Se encontrarem outras pessoas com os mesmos traços, não interajam e nem conversem. Os detalhes falaremos à sós.

    A luz da pedra se apagou com um brilho suave, e o silêncio pairou entre os dois. As horas seguintes passaram lentas como calda quente. Quando a aula acabou, Grey e Liane seguiram até os dormitórios auxiliares onde poderiam arrumar a mochila com os itens necessários. Apesar do clima da excursão demonstrar um bom sentimento por fora, ambos sabiam que não havia nada de otimismo ou até mesmo um ar brincalhão naquela viagem.

    Liane retirou uma pequena mala debaixo da cama e começou a organizar tudo com cuidado quase cerimonial. Roupas sobressalentes, lanches secos, pergaminhos de leitura, um frasco de tinta e penas. No meio do processo, porém, seus olhos se prenderam ao fundo da mala, onde estavam guardadas duas pequenas recordações envoltas em panos macios.

    A primeira era uma adaga de cabo curto e simples, com uma lâmina polida que ainda refletia seu rosto com nitidez. Liane segurou o objeto com uma reverência tímida, lembrando-se do momento em que Jessia, a mulher que quase o matou quando criança e ainda por cima tentou escravizá-lo, lhe entregou aquele presente. Disse que era para se proteger sozinho. Na época, a arma parecia uma espada para suas mãos miúdas, mas agora encaixava perfeitamente.

    A segunda era um colar delicado com uma pena prateada pendurada. Foi um presente da irmã mais velha no seu oitavo aniversário, uma peça que ela garantiu estar encantada para afastar pesadelos. Ele passou os dedos pela pena com carinho, sentindo uma espécie de calor estranho atravessar o peito. Lembranças de um lar que não era mais acessível.

    Ao apoiar os cotovelos nos joelhos, Liane olhou para as mãos cobertas pelas luvas claras. Um presente de Silva. Ele não tirava elas desde que as ganhou. O tecido parecia ter se adaptado perfeitamente aos seus gestos, e mais de uma vez ofereceu conforto inesperado. Encarar as mãos nuas lhe dava arrepios e uma sensação de descontentamento com o próprio corpo… mas escondê-las com as luvas tornava tudo mais tolerável.

    — Está pronto? — perguntou Grey, parado próximo a porta com a espada na cintura.

    — Quase… — respondeu Liane, guardando as lembranças cuidadosamente de volta à mochila. — Só estava lembrando de algumas coisas.

    — É sempre assim antes de uma missão. A gente sempre se apega aos presentes dos outros.

    A noite caiu silenciosa sobre a Academia Aquaria. A saída foi feita por uma das passagens de serviço nos fundos, o tipo que alunos comuns não conheciam. Grey liderava com o capuz erguido, atento a cada canto escuro e sombra mal posicionada. Liane, atrás dele, segurava a mochila com ambas as mãos, sentindo o coração bater forte sem saber exatamente se era pelo perigo.

    A viagem foi curta, mas não isenta de tensão. A cidade de Poar dormia sob um céu turvo, como se nuvens pesadas se arrastassem silenciosas demais. Quando cruzaram os portões da catedral, Liane soltou um suspiro que nem percebera estar prendendo.

    O bispo Vylon os aguardava no salão principal, de pé ao lado de um dos pilares de mármore com sua expressão habitual de olhos espiralando para o vazio. Cristal estava sentada no banco logo à frente, envolta pelas vestes brancas que pareciam ofuscar qualquer escuridão ao redor.

    — Vocês chegaram bem. A deusa os guardou.

    — Encontramos tudo calmo, mas o ambiente na academia continua estranho — respondeu Grey. — Nenhuma manifestação direta, mas tem gente com poder demoníaco lá.

    A santa assentiu, levantando-se com leveza. Seus olhos se voltaram a Liane, medindo-o de cima a baixo, como quem procura rachaduras invisíveis.

    — Vai ser uma jornada breve, mas importante. Descanse esta noite, Liane. Amanhã partimos cedo.

    Ele apenas concordou com a cabeça. O objetivo era saírem o mais rápido possível sem chamarem atenção, e para isso, seria melhor que acontecesse num horário muito tarde e longe dos olhares alheios. Liane sabia melhor do que qualquer um que era o culpado por todo aquele caos, mas não se importava tanto quanto devia. A libertação de Er’Ika era mais importante, mesmo que outros sofressem no processo.


    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota