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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Durante o entardecer, Liane saiu de seu esconderijo no meio da floresta e retornou ao orfanato. A maioria dos soldados estava longe demais para repará-lo, focando-se na sua própria vigília. Sendo o maior sorrateiro do mundo, ele escalou a parede suja pelas vinhas, sujando suas mãos em uma massa nojenta de mofo e restos de terra. 

    Avistou a janela do quarto de Zana aberta, o que logo serviu de ajuda para adentrar o local sem ser incomodado. Pôs a mão no coração, que batia aceleradamente por causa das horas passadas entre as árvores, para sua sorte sabia bem da região e teve facilidade em evitar perigos. Seus olhos correram pelo quarto, tudo estava idêntico aos dias anteriores, até as orelhas captarem o som de passos vindo de fora.

    Liane se lançou para baixo da cama e fechou a boca, controlando a respiração para não soltar um pio. A porta do quarto abriu, um par de botas de couro grossas adentrou o recinto, seguido por outro par, mas de cor preta. Era fácil reconhecer os pés de ambos, as de couro eram de Zana, que sempre as usava, pois não tinha mais nada para calçar, enquanto a outra era de Aymeric, pois suas roupas tinham contraste entre preto e branco.

    — Então, o que você quer de mim? — disse a irmã, seus calçados batiam repetidamente no chão. — Eu já lhe falei, não tenho dinheiro e não pretendo dar nenhuma das crianças para uma pessoa ruim.

    — Be-Bem, a senhorita Silva deseja anexar parte do território do conde Minus, mais especificamente aqui onde estamos. Ela também ofereceu que você viesse em companhia com Liane para a casa principal, assim a criança não sentiria sua falta…

    — É covardia o que estão fazendo comigo…

    — Por que seria, madame?

    — Eu quero aceitar, mas não quero abandoná-los — confessou, soltando um suspiro frustrado e indo em direção a janela. — Eu quero… eu queria mudar minha vida, tenho a vontade de só abandonar tudo e agarrar isso com Liane, mas… eu seria… eu seria um monstro…

    Um gemido saiu dos lábios de Zana, de dor e angústia conforme seus dedos apertavam a madeira. Ela queria chorar e não conseguia, seu interior parecia podre por negar uma mudança magnífica. A cruz novamente apareceu na ponta de seu olho, aquele símbolo que assombrava sua mente diariamente, e que cada vez mais reforçava seus erros como uma cuidadora. 

    O sofrimento revivia de novo e de novo, reiniciando o ciclo vicioso abaixo daquelas nuvens que iam e vinham todo dia. Liane, olhando para aquela cena de seu lugar, teve um aperto no coração. Queria sair dali e abraçar a irmã com todas as suas forças, dizê-la que tudo estava bem e que não era uma má pessoa por preferir uma coisa mais fácil que cuidar de todos.

    Há muito tempo, o garoto tomou consciência do quão cansativo o trabalho de Zana era, do tanto de esforço necessário para manter a comida na boca das crianças, para administrar este lugar e ainda aceitar mais pessoas. O sorriso dado aos demais era forçado, a felicidade em meio às brincadeiras era ilusão, as vontades e sonhos daquela mulher eram inúteis, seus dias se resumiriam a repetir a mesma coisa de novo, até chegar na velhice e não sair mais da cama, onde morreria pacificamente ao lado de ninguém.

    Ele mordeu a língua, entendendo a desgraça detrás da postura e palavras da pessoa mais querida de sua vida, que pela primeira vez encontrou numa situação incrivelmente fragilizada.

    — Me diga — ela disse, virando-se para o cavaleiro —, como eu posso abandonar este lugar quando alguém morreu pelo meu erro? Como eu posso dar as costas a esses meninos e meninas tão alegres, cheios de energia e inocência? É fácil ir embora e exigir que outra pessoa tome o seu lugar, mas ninguém pensa nas consequências desse abandono, de se tornar um pequeno algodão ao vento e chegar ao outro lado do mundo, relembrando o que deixou de fazer em prol do que sempre quis.

    — Eu receio que esteja pensando e realizando drama demais quanto a isso, madame Zana… — Aymeric inclinou a cabeça para o lado, sem entender a razão por tanta resistência daqueles dois. — A estadia das crianças não mudaria, esse orfanato inteiro poderia ser reconstruído e aceitar inúmeros órfãos de todos os lugares. Seria algo lindo, uma boa ação ao mundo…

    — Sim, seria, se eu conseguisse ser fria o bastante para sair daqui. Eu estou presa, sir Aymeric, esses ressentimentos e medos me acorrentaram nesse lugar. Vê aquela cruz? É uma de muitas que eu montei. Todo ano, uma foi destruída pelo tempo para dar lugar a outra nova. Você sabe como é vê-los sumir diante de seus olhos, então num belo dia de verão pegar um martelo e estacas para construir uma nova? Nem mesmo um enterro é feito aos pequenos, eles são tratados como se nunca tivessem existido e viram comida para os monstros naquela maldita floresta.

    — Eu… entendo… — O cavaleiro cerrou os punhos e abaixou o rosto, em um respeito solene. — Muitos dos meus homens morreram ao meu lado. Eu não tive como evitar, fiquei impossibilitado de fazer nada além de ver a vida se esvair dos olhos, e algumas vezes, durante a noite, vejo vultos e tenho pesadelos relembrando disso…

    — A sensação é idêntica para mim. Foram tantas crianças embora que eu acreditei ter pecado muito para receber isso. Todos tinham risos lindos, sempre largando risada para qualquer besteira, e eu nunca mais vou ouvi-los de novo porque se foram. 

    O silêncio se acomodou no ambiente, dando um terrível gosto na boca e um grande desconforto por parte de ambos. Zana, tendo noção do quão terrível o clima estava, tocou o ombro daquele bom moço e indicou a saída com a cabeça.

    — De nada adiantará falarmos dessas coisas agora… Vamos resolver isso depois. Quero procurar Liane, pode me ajudar, sir Aymeric? 

    — Com absoluta certeza, madame. 

    Após dar uma batida no peito com o punho fechado, Aymeric a acompanhou para fora do quarto, onde ambos iriam investigar os arredores em busca da criança, sem saberem que Liane chorava e gemia abaixo da cama, querendo apagar de sua mente o que acabara de ouvir, no entanto, mesmo que conseguisse fazer isso, a dor permaneceria enquanto vivesse.


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