Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 156: Matança Divina
Os aposentos do bispo Vylon contrastavam santidade e guerra. De um lado, o símbolo de Lithia destacado por uma mesa, rodeado por panos e na frente de um livro, os manuscritos da deusa e seus preceitos. Já do outro, uma lança pendurada contra a parede, uma armadura esbranquiçada polida, um escudo com um triângulo dourado de brasão e por fim uma capa vermelha longa entre os equipamentos, absorvendo as cores do quarto por apenas existir.
O bispo não era de nenhuma forma velho, pelo contrário, parecia ter 25 anos e suas rugas sequer apareciam no rosto, o que fazia Liane sempre estranhar o porquê aquelas coisas ficavam à mostra, dando a entender um passado distante cheio de glória. Ele colocou as duas metades do totem de Muriel, o cão da gula, em cima da mesa e deu um passo para trás, permitindo Er’Ika se materializar na forma de fada.
— Olá, bispo. Já faz um tempo, não é mesmo?
O homem acenou com a cabeça. Seus olhos espiralavam rumo ao vazio, mas estavam repentinamente interessados na figura colocada na mesa.
— Para trazer isso aqui, não deve ser uma piada de mal gosto. Onde encontrou?
— Encontramos na morada de Zana. Algum cultista fez um ritual vinculou essa estátua ao lugar. Desfiz o mais rápido possível e escolhi mostrá-la, acho que você sabe o que é.
— Sim, é uma representação do cão demoníaco, Muriel — disse, levantando as metades partidas para cima. — As correntes representam sua prisão à comida e a figura significa a bestialidade de uma fera esfomeada. Se um desses foi usado, outros devem estar espalhados ao longo da cidade.
— Exatamente. Creio que se demorar mais para iniciar sua cruzada, será muito tarde. — A fada voou para o lado de Vylon, esboçando um pequeno sorrisinho. — Ficará surpreso com o que achamos. Liane, mostre-o.
O garoto retirou o mapa de dentro de um estojo redondo e o desdobrou em cima da mesa. O rosto do bispo se contorceu numa carranca, percebendo o tanto de pontos marcados ao longo de Verdan, ficando com a feição ainda mais sombria quando viu que uma das marcações apontavam para a catedral, exatamente onde estavam.
— Até mesmo aqui… onde? Onde posso encontrar?
— No subsolo — respondeu Liane. — Demorou para que eu percebesse por conta da presença de energia demoníaca porque era escondida no ambiente, mas consegui sentir uma vez, e quando cheguei perto, ficou mais evidente.
Um rangido agudo saiu da cadeira em que Vylon estava. Ele a empurrou para trás e seguiu rumo à parede, retirando a lança dali. A aura ao seu redor se tornou errática, podendo a qualquer momento acionar por acidente uma das propriedades da arma de evocar chamas e incinerar aquela catedral inteira.
— Guie o caminho. Eu resolverei esse problema agora, e vou atrás dos outros imediatamente.
Liane acenou com a cabeça, tentando ignorar o jeito ajustador do bispo. Eles andaram ao longo dos corredores da catedral, os fieis desviavam do caminho por conta própria, provavelmente por causa da expressão inumana de Vylon naquele momento. Nem precisava olhar para trás para imaginar como era, além do mais, a reação dos demais servia de exemplo para manter a boca quieta.
Após andarem por mais um tempo, a criança parou na frente de uma parede, onde uma estátua representando Lithia fora construída. Era uma moça de cabelo longo, cobrindo as partes íntimas com um par de asas saindo das costas, enquanto uma cauda se enrolava as pernas. Sua feição era triste, com o rosto levemente inclinado para o lado e voltado a quem orasse na sua frente.
— Vem detrás da estátua…
A fala de Liane também manteve certo arrependimento, já que não sabia se o bispo de fato confiaria. Para sua surpresa, o homem não hesitou em movê-la do lugar, mesmo com as reclamações dos monges e freiras que pararam para observar Vylon aparentar sinais de loucura. O cochicho só terminou quando um corredor foi revelado após tirar a estátua, fazendo veias ao longo de seu pescoço aparecerem.
Ele desceu cada degrau com uma pitada de ódio a mais, quase quebrando os tijolos responsáveis por segurar o caminho. Liane o seguiu, crendo que precisava acompanhá-lo e ver também o que tinha lá. Calafrios subiram ao longo da coluna conforme se aproximava da fonte sinistra de poder, garras pareciam sair das paredes e arranharem a pele, querendo arrastá-lo para o abismo.
Er’Ika também teve uma impressão semelhante, no entanto, tendo se acostumado com ambientes negativos há muito tempo, sequer se incomodou. Havia uma sala redonda ao final da escadaria de tamanho mediano, contendo no meio um ídolo de com chifres na cabeça, unhas afiadas, um rosto inumano e uma silhueta musculosa, mas simultaneamente amedrontadora.
Nas paredes, estandartes rubros remontavam a face dessa criatura, circulando-a com tons dourados, além de manchas marrons serem visíveis tanto no piso quanto na própria figura. Espalhado ao longo do local também estavam pedaços de outra estátua, a de uma moça, muito igual àquela que tapava a passagem do corredor.
Um silêncio sepulcral recaiu sobre os ombros de Liane, sendo interrompido pelo som de gotas. Olhando para Vylon, reparou que das suas mãos escorriam gotas de sangue, os punhos fechados aplicavam tanta pressão às palmas que passaram a sangrar. Ele tirou a lança das costas, sujando-a com o carmesim dos dedos, labaredas dançaram pela ponta e uma estocada obliterou o peito do ídolo.
O mármore se desfez, ao mesmo tempo o bispo se imergiu num estado de fúria sobre-humana, destruindo tudo até sobrar nada além da sua respiração abafada. Os estandartes, as manchas, os traços de rituais demoníacos, não sobrou nada para contar sobre um culto maligno acontecendo por baixo de um terreno sagrado. Liane observou de perto ao espetáculo de ira, chamas e inspiração divina, similar às artes ostentadas nos vitrais da catedral, mas criada pelo sentimento humano de culpa e reforçado pela fé.
Era conflitante e bonito, um contraste entre o pecado e o dever. No final, quando Vylon mostrou apenas um rosto distante e exausto, ele somente olhou para o teto, como se pedisse por um sinal divino de Lithia para apaziguar sua alma.
Foi nesse exato momento que Liane estendeu o mapa. As mãos tremiam, hesitando em ter contato com aquele homem que há pouco tempo relevou um lado que nunca vira. Para sua surpresa, Vylon pegou o papel, encarou-o e abaixou a face, seu semblante demonstrava um lado destruído de um humano, uma clara derrota.
— Criança, eu agradeço por ter aberto meus olhos. Farei questão de erradicar esses monstros dessa terra, nem que isso custe a minha vida.
E foi dessa forma, com um bispo tomado pela agressividade e pelo desejo inato de matar, a Cruzada das Chamas começou.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.