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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Um cantarolar ecoava pelo quintal de uma casa alta, próxima a morada dos Tanite. Cliques acompanhavam os sons, junto de um novelo de lã e duas agulhas grossas. Zana, sentada numa toalha xadrez ao lado de Liane, tricotava um tipo de florzinha branca, aproveitando para conversar e comer próximo ao garoto que passou por tantas coisas.

    Ela não era idiota, sabia bem que os traumas e tristezas acompanhando essa pobre criança não sumiriam, porém, por agora, a melhor opção era dá-lo carinho e atenção, separar sua mente dos problemas e permitir que ficasse perto. O objetivo principal dos dois foi se reencontrar, então, por que não aproveitar esse momento tranquilo antes da tempestade? Por outro lado, Celine, que estava de pé no meio do gramado, achava muito estranho uma assassina renomada brincar com agulhas ao invés de facas… parecia até poético, já que sua principal arma matava as pessoas, enquanto aquelas que mostrava para alguém querido criavam algo novo.

    Já Merk, ele estava numa pequena distância, observando o trio aproveitar a tarde calma e cheia de passarinhos voando sobre as árvores.

    — Então, você passa dentro, enrola e puxa — explicou Zana, ensinando Liane a tricotar.

    — Isso… é difícil…

    Com uma grande falta de coordenação motora, o garoto tentou repetidas vezes mimicar os movimentos e o ritmo. No orfanato, era comum Zana tricotar no tempo livre, às vezes entregando presentes que ela mesma fez com suas mãos a outras crianças lá. Liane foi um dos que se apegou ao hábito dela, sempre querendo aprender, mas falhando miseravelmente por não ter a mesma agilidade.

    A irmã sorriu, corrigindo-o em cada erro sem peso na consciência, às vezes recebendo um olhar estranho. Ela entendeu o porquê disso sem demora, provavelmente era devida a sua aparência atual e os danos causados pela explosão. Era um milagre estar viva, nem mesmo entendeu como conseguiu sustentar tanto tempo em coma, então agradecia silenciosamente aos deuses ou aos espíritos lhe ouvindo.

    Então, o balde de água fria caiu nela. Não fazia mesmo sentido que estivesse viva, os fieis na igreja também não davam tanta atenção para seu corpo em estado de decadência. Um suspiro saiu dos pulmões, doendo o coração pulsante.

    — Hum? Tudo bem, irmã? — indagou a criança, vendo o rosto dela mudar.

    — O que aconteceu a Er’Ika, Liane?

    A boca do garoto fechou. Seu rosto se voltou ao chão, a cabeça doendo estava prestes a afundá-lo na terra. Sua língua parecia se recusar a mover, enquanto a garganta seca travou as palavras no meio do caminho e as engoliu de volta. Ele parou de costurar, não tinha como continuar daquele jeito, remoendo pensamentos sem fim num caos psicológico infinito.

    — Er’Ika… não me responde mais…

    — E é por isso que você ficou tão triste, não?

    Liane acenou, suas pupilas marejaram e os dedos tremeram encostados na roupa. Zana levou a mão ao topo de sua cabeça, fazendo carinho para afagar aquelas mágoas.

    — Entendo que Er’Ika foi muito importante para sua vida… deve ser o motivo pelo qual estamos conversando aqui e agora, certo?

    — Sim. Er’Ika era rabugento, chato, maluco e insensível… mas, eu devo muito a ele. Ele me ajudou a te encontrar e também foi quem me manteve inteiro por todo o tempo que ficamos separados. Eu… Eu não sei o que fazer agora, não o escuto na minha cabeça.

    — Querido… — Zana limpou as lágrimas escorrendo pelas bochechas dele, ainda sentindo o pesar de seus sentimentos. — Conheço essa dor. Eu também perdi muitas pessoas, e me arrependo de não ter dito muitas coisas… porém é por causa disso que continuo agindo.

    Ele estreitou os olhos e inclinou a cabeça, visivelmente confuso. Quando chorava, também era meio complicado dele falar, logo, a irmã continuou o carinho e abriu um sorriso.

    — Liane, eu acredito fielmente que todos que partem desejam nosso melhor. Eles querem nos ver lá de cima fazendo coisas grandiosas e sendo felizes. Mesmo que Er’Ika não te responda mais, seja lá onde esteja, acho que ele diria o mesmo.

    — Provavelmente não, aquele idiota nunca diria isso em voz alta.

    O garoto soltou uma risada. Conhecendo a personalidade da entidade, ele nunca assumiria coisas vergonhosas, muito menos dar qualquer apoio moral quando estivesse triste. A função de Er’Ika se assemelhava mais a um sargento irritado dando ordens, porém, no fundo, sabia que era para o melhor do outro. Escondido numa carapaça de negatividade, o deus maligno tinha sim um lado doce.

    — Dou muito crédito a ele, nem devia tá fazendo isso, só ia estressá-lo…

    Comparar Er’Ika a coisas boas de fato traria sua raiva, já que se identificava com tudo de ruim que existia no mundo. Ele não era um demônio, mas a personificação do mal, e mesmo assim se envergonhava e negava sensações que eram mais do que reais. Ia contra todas as histórias que Liane leu, e até mesmo o fazia rir quando pensava que a entidade se vangloriava por ser daquele jeito.

    — Que tal uma proposta então, Liane? — falou Zana, pondo a mão no queixo do garoto e na sua bochecha. — Mesmo que você não possa falar agora com ele, ainda pode talvez realizar um sonho dele?

    — Um sonho…? — Liane começou a pensar e pensar, em busca de um possível sonho. “Er’Ika queria se libertar, então, eu posso procurar meios de encontrar isso? Ele continua selado dentro de mim…”

    Passou a mão sobre o coração palpitante. Sim, era mais do que possível que o deus estivesse por perto, apenas adormecido nas profundezas de sua alma. Então, poderia ele sozinho ir atrás de quebrar o selo e libertá-lo? Liane era muito pequeno, uma criança ainda, mas com a ajuda dos adultos a sua volta e todos que estendeu a mão, teria uma chance de conseguir. O que mais necessitava era esforço.

    — Tá, eu me decidi, eu consigo fazer isso!

    Com tapinhas na cara, levantou-se com o peito estufado, seus olhos vermelhos brilhavam com coragem. Aquela vontade se concretizaria, era o favor que Liane devia ao deus e que poderia trazê-lo de volta.

    “Espere por mim, Er’Ika, eu vou te ajudar, nem que demore anos!”


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