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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    A taverna principal de Verdan, o Bisão Voador, estava lotada. Mesmo com o estado em ruínas da cidade, os negócios ainda precisavam continuar e o dono encarecido de dinheiro improvisou para manter seu estabelecimento funcionando. Penduraram bandeiras remendadas nas paredes rachadas, enquanto os bancos e mesas feitos de blocos de pedra foram arrastados para perto do centro, criando um espaço apertado e barulhento onde os sobreviventes da crise se reuniam para beber, rir e cantar.

    No canto mais iluminado, Liane era o centro de uma roda de amigos e conhecidos. Estava sentado em cima de uma mesa, segurando um copo de suco tão ácido quanto permitiam, balançando as perninhas com evidente desconforto enquanto era entoado mais um brinde em sua honra.

    — Ao nosso pequeno campeão! — gritou Relena, erguendo sua caneca de madeira.

    Os outros acompanharam o brinde com vigor. Jessia, largada numa cadeira próxima, olhava tudo com um sorriso debochado, fingindo um pequeno desinteresse ao jogar os braços contra a nuca e cruzar as pernas em cima da mesa. Até o bispo Vylon, com suas vestes tradicionais deslocadas para a ocasião, tentava parecer menos formal, segurando um caneco de cerveja que mal encostava nos lábios.

    — Já entendi que eu sou ótimo! — Liane falou, com a voz abafada entre as risadas.

    — Convencido… — murmurou Silva, que se mantinha ao seu lado dando cotoveladas nas costelas

    No balcão, Ludio e o marquês Sion conversavam baixinho sobre a reconstrução da cidade, sem esquecer de lançar olhares vigilantes para o garoto de tempos em tempos. Ludio ainda era um representante da Guilda dos Magos, enquanto o marquês poderia financiar inúmeros empréstimos para renovar a região para sua antiga glória, então mesmo naquela ocasião, ainda havia bastante trabalho para lidarem. Os magos poderiam aliviar muito do fardo físico com suas magias, faltando somente o financiamento que seria provido por meio dos comerciantes locais e nobres humildes.

    Uma melancolia invisível se escondia sob a música desafinada do bardo e o cheiro forte de álcool, com choradeiras, gritos de felicidade esbravejamentos de bêbados.

    A noite prosseguiu assim, entre histórias exageradas sobre a batalha no tribunal, falsas competições de braço que os homens perderam humilhantemente e uma competição para ver quem conseguia entornar mais canecas sem cair da cadeira — o bispo claramente venceu com sua resistência infinita ao álcool. Em algum momento, irmã Zana tentou ensinar Liane a dançar uma valsa desajeitada no meio do salão, fazendo-o tropeçar nos próprios pés e ser salvo a tempo por Jessia, que o puxou pelo colarinho como se fosse um saco de batatas.

    A comemoração parecia eterna naquela noite. Por um breve momento, Verdan respirava como se o caos nunca tivesse existido.

    Liane, vendo todas essas pessoas orbitarem-no com seus risos e falas dramáticas demais, trouxe uma calmaria a alma. Ainda no orfanato, raramente encontrava paz em meio as tarefas constantes e o bullying que sofria das crianças — mesmo depois de sair de lá, sua vida se transformou numa sequência de altos e baixos dessincronizados. Seu corpo era cortado, remendado e ele sobrevivia mais um dia.

    Seus olhos pararam na sua irmã. Manchas de queimadura estavam eternizadas na pele, e o garoto não tinha culpa do acidente, mas sempre se via pensando nela e no seu estado. Levou um ano para se reunirem de verdade, para aproveitarem a serenidade do mundo e festejarem sem se preocupar com o amanhã. Era diferente de antes, diferente do sofrimento que passou.

    Só que, ainda faltava alguém.

    “Er’Ika, você ficaria feliz se estivéssemos aqui? Eu sei que você diria ‘não’, mas… não faria mal aparecer, né? Nem que fosse só por um momento.”

    O silêncio mental o cumprimentou. No final, não adiantava o quanto chamasse, Er’Ika não estaria ali. Era somente Liane, em uma dança solitária e fúnebre. Havia se acostumado tanto a presença da entidade que o mundo real lhe parecia quase inexistente, a presença das pessoas se diferiam muito daquela figura irritadiça e cheia de surpresas.

    Poderia ficar perto das pessoas quem amava, mas ainda assim, sentia-se sozinho.

    Em meio a sinfonia de um bardo triste e com a escuridão se alastrando por uma Verdan em ruínas, o garotinho começou a se perguntar porque de todas as pessoas fora escolhido. Por que ele e Er’Ika acabaram juntos? Por que a desgraça acompanhavam seu caminho onde quer que fossem? Era um mistério sem solução, algo que cravou na mente de Liane desde o momento que se uniram.

    Parecia que algo maior se desenrolava ao seu redor, uma coisa da qual não era capaz de perceber. Celine, percebendo a quietude de seu mestre, aproximou-se devagar e pôs as mãos em seus ombros, o que imediatamente o trouxe de volta ao plano que estavam.

    — Algo lhe perturba, mestre?

    — O-O que? Não, não. Só estou pensando em algumas coisas…

    — Mestre, você é do tipo reativo. Pensar demais não faz parte da sua personalidade.

    — Ehh, não pre-precisava falar assim…

    — Mil perdões, achei necessário para que pudesse prendê-lo na conversa.

    A empregada era muito inteligente à sua maneira, em especial notar detalhes. Mesmo que não conseguisse ver, sua intuição e também dedução eram inigualáveis a qualquer um no recinto, ao ponto dela prestar atenção nos menores traços de alguém. Liane tinha sim um jeito envergonhado e tímido, mas uma vez depois de se acomodar com as pessoas, ele conversava bastante e passava carinho.

    Por não revelar nada disso durante a comemoração, a suspeita de Celine apareceu, e agora ela desejava matar essa dúvida. Esse silêncio constante também a incomodava, tendo se acostumado ao jeito parcialmente falador de seu mestre.

    — Madame Zana, Bispo Vylon, vamos sair um pouquinho. Liane disse estar se sentindo mal aqui.

    — Leve Grey com você — mencionou Vylon, antes de mais nada. — Tome cuidado e…

    — Não será necessário — interrompeu Zana, tendo visto através dos planos de Celine. — Seja breve, ah, e Liane, se comporte!

    Um garotinho com rostinho de culpado e sua empregada se retiraram do estabelecimento. Entre casas caídas e detritos de madeira e pedra, pequenas luzes estavam acessas no céu, estrelas montando a infinidade do cosmos e escondendo a lua com seu brilho. Esse era o cenário perfeito para Liane, que havia se acostumado a noite e aos pontinhos luminosos decorando o que seus olhos viam.

    Celine o guiou rumo ao ponto mais alto entre as ruínas, os escombros de um prédio cujo pico era uma pilastra de concreto. Dali, era possível ver a cidade inteira destruída, contrastando com as constelações acima.

    — Melhor aqui, mestre?

    — Um pouquinho…

    — Então deve estar bem melhor mesmo.

    Celine deixou um sorriso sair. Era difícil manter a expressão de pedra sempre, escondendo a felicidade de pequenas conquistas para agradar seu mestre.

    — Ei, você acha que um dia Erika vai voltar? — a pergunta de Liane veio carregada de tristeza, com seus olhos mirados para o chão. — Eu… me sinto só. Quando não tem ninguém por perto, fico com medo de que alguém apareça e me mate, igual ao que aconteceu da última vez.

    Seus dedos passaram pelo pescoço, onde uma cicatriz reta estava marcando as duas pontas da garganta.

    — Tô com medo… medo do que vai ter daqui pra frente. Essa vigilância constante, o perigo de uma pessoa querer me matar só porque existo. E-Eu não sei o que…

    — Mestre Liane, por favor, pare.

    O garoto virou o rosto, cheio de emoções conflituosas reverberando pelo seu peito. Celine estava ajoelhada à sua frente, segurando suas mãos. Ela as beijou, e então acariciou as palmas.

    — Não importa quanto medo sinta, nem quanto se preocupe. Eu ficarei ao seu lado independente do que aconteça e o protegerei com minha vida se necessário. Esse é o dever que decidi carregar comigo. Mesmo sem Er’Ika, eu prometo que farei de tudo para expulsar sua solidão, é meu juramento.

    Aquelas palavras atingiram Liane. Sempre considerou Celine uma pessoa esforçada e queria muitas vezes entender o porquê era tão devota a ele, ao ponto de superar sua própria cegueira para ajudá-lo. Só naquele momento que um pouco de clareza veio: a razão por detrás disso era amor.

    O mesmo motivo de Zana ajudá-lo tanto, um carinho sobrenatural que só existia dentro de uma família. O garoto, ao invés de vê-la ajoelhada assim, abraçou-a e enterrou sua cabeça no pescoço dela. O pacto entre serva e mestre evoluiu, adquirindo um sentimento único e diferente de tudo que Liane experimentara até aquele momento de sua vida.


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