Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 182: Eterno Pecado
Liane experimentou mais uma vez o frio do inverno. Isso já tinha acontecido antes, quando estava com Er’Ika na Vila do Dente, mas ele nunca gostou tanto do inverno, preferindo a primavera e o outono do que as longas sessões frias que a neve traria. Também havia nenhum motivo para gostar, aquela era a época que doenças se tornavam um fenômeno mortal e onde era mais fácil morrer de várias formas, como fome, hipotermia ou até de sede.
Ele presenciou muitos enterros em invernos passados, e mesmo longe do orfanato, o infortúnio era inevitável. Caminhando pelos tijolos de pedra montados na rua, ele avistou um cemitério onde caixões eram enterrados debaixo do pôr do sol. Os tons arroxeados decoraram o ambiente nevado, recriando uma imagem melancólica que envolveu aquela família.
Vylon o acompanhava, e ao reparar que a cabeça do garoto estava voltado para o funeral, ele pôs a mão no ombro dele, chamando sua atenção.
— Preste muita atenção, Liane. Este é o destino de todos nesse mundo, nenhum mortal pode mudar o desejo dos deuses e a roda do destino, nós estamos fadados a morrermos diante de quem mais amamos ou sozinhos, isso dependerá da vida que você levou. Essa pessoa teve seus pecados perdoados através da sua morte, e se Lithia quiser, irá para o paraíso ficar eternamente nos braços de sua mãe.
— Senhor Vylon, se ele fizesse algo que ninguém esqueceria, ainda seria perdoado?
— A deusa é misericordiosa, Liane. Se você agir em boa fé e acreditar que suas ações foram erradas, não há motivo para que ela não perdoe. Por isso, criminosos e monstruosidades humanas estão destinadas a andar pelo limbo, porque nunca perdoaram a si mesmos e nem acreditam que erraram.
O menino emudeceu, passando pelo cemitério rumo a catedral. As paredes estavam mais altas em comparação a meses atrás, com pilastras e novas estátuas ao longo dos corredores — os vitrais foram renovados, criados com base nos anteriores para mimetizar a antiga aura de divindade, enquanto lentamente as diferentes alas do recinto estavam em reconstrução. Era um esforço coletivo, diariamente via-se fieis carregando tijolos nas costas, subindo rampas de madeira no frio.
Todos sorriam, independente da dor nas costas devido ao peso ou pela friagem tomando os calos das mãos. Liane sentia dificuldade em compreendê-los. Por que alguém se esforça tanto por uma pessoa que não pode ver, tocar ou encontrar? Ele sabia que Lithia era real, os poderes divinos e a presença de Er’Ika se autodeclarando deus servia de prova para garantir a existência dela, mas não tinha lógica em determinar a própria vida ao redor dela.
Devido a esse mistério, Liane passou a admirar os fieis, especialmente os paladinos e as freiras, dois tipos de pessoa que pareciam se empenhar mais que o normal quando se falava da deusa Lithia. Eles recitavam os preceitos, estendiam a mão para qualquer um implorando por ajuda, eram uma demonstração de bondade na alma da qual o garoto só viu em uma pessoa: irmã Zana.
Sentou-se numa mesa de frente para o bispo, cujos olhos sem vitalidade encararam um pequeno papiro aberto diante de si. Era um conjunto de orações antigas, feitas para comemorações dentro da igreja, mas o assunto que queria tratar era diferente desse.
— Lithia é a salvação para quem se perdeu nos caminhos e deseja a redenção. Ela cura, perdoa e oferece um recanto seguro para as almas, sendo a mãe de toda raça humana. É por este motivo que tantos estão aqui, eles tem algo importante a proteger ao ponto de arriscarem a vida.
Um vislumbre de entendimento passou pelos olhos de Liane. Aquilo era projetado para as pessoas se sentirem parte de uma comunidade, serem acolhidos enquanto o mundo os recusasse. Todos também possuíam uma coisa a se proteger, como uma família, um ideal, um objetivo — não muito diferente dele, que passou grande parte dos últimos tempos procurando pela sua irmã e estava disposto a se sacrificar se fosse necessário. No entanto, o preço a ser pago foi a liberdade de seu amigo, Er’Ika.
Liane não sabia como se expressar em relação a isso, sua cabeça se abaixou conforme a leva de pensamentos o arrastou mais fundo para refletir a respeito da religião de Lithia.
— Eu… não entendo direito. A gente tem que rezar pra ela, se entregar de coração, mas o que acontece se ela não nos dá o que a gente procura?
— Aí reside o principal ponto: você não se entrega por esperar que a deusa lhe dê algo. Eu pareço ter me entregado porque procuro salvação?
— Ehhhh, talvez?
— Errado. Muito antes de você nascer, eu era um mercenário. Matava pelo dinheiro e enchia os campos com sangue porque esta era minha profissão, não importava se fosse um pai de família, um inocente ou uma mulher grávida. Cometi muitos pecados, Liane, e não acredito que serei salvo por estar nessa posição de bispo, mas essa foi a forma que achei de evitar aquele caminho novamente.
O garoto absorveu em pleno silêncio, com um encanto. Os olhos vazios de Vylon existiam pelo seu passado longínquo, pelo sangue nas mãos que nunca desaparecia — era por esse motivo que ele matava cultistas demoníacos sem dó e era o melhor no que fazia, anos de experiência em combate acumulados resultaram nesse homem deteriorado por dentro ser uma fonte de destruição oculta.
— Professor, se Lithia é a justiça e oferece o perdão se a pessoa se arrepende, então por que os outros matam adorados demoníacos?
— Eles não matam, Liane, somente eu. É devido a um pecado que cometi… Deixei um vivo, e quando percebi, a vila que jurei proteger havia se tornado em cinzas. Daquele dia em diante, jurei que mataria todos, mesmo que a deusa me recusasse quando partisse. Eu não quero que meu erro se repita, criança, nem quero que mais sofram porque hesitei em cortar o pescoço de alguém com a espada.
Engolindo seco, Liane perdeu a coragem de encará-lo. Ele também matou no passado, ou pelo menos até onde suas lembranças o levavam, e temia pelo mesmo julgamento no futuro. O pior disso era que sua mente recusava o arrependimento, ele havia feito o certo, a única opção disponível naquele momento.
“Er’Ika faria a mesma coisa, sim.”
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