Capítulo 194: Provocação

“Hã?”

Nenhuma palavra descreveria melhor o estado de confusão mental. Aquela sentença foi tão repentina que o cérebro de Liane entrou em curto-circuito, querendo compreender o que diabos poderia significar.

— Eu não estou aqui para brincadeiras ou amizades infantis — Solaris continuou, aproximando-se do palanque. Seu rosto indiferente agora mais transmitia arrogância do que frieza. — Não perderei meu tempo com aqueles que só querem se divertir enquanto abusam dos benefícios dessa academia, similar ao covarde que fugiu do teste dos calouros.

“Covarde?”

Os orbes de Liane perderam o brilho de alegria. Estavam opacas, tentando contornar o choque daquele bombardeio incessante de absurdos.

— Tenho pena desse pessoa. Vejo que essa seria a primeira a morrer no campo de batalha, e provavelmente desonraria a família inteira com uma morte patética.

A cor antes fraca se reacendeu em chamas. Seus punhos cerraram, empalidecendo pela força, enquanto ele mastigava o lábio como forma de manter o controle.

— Enfim, eu não espero muito dessa Academia. Como pude ver, ninguém aqui é apto para um desafio a minha altura, exceto alguns poucos. Por isso, declaro guerra! Me desafiem, venham até mim e provem o contrário das minhas palavras! Se não conseguirem, bem, já sabíamos a resposta mesmo. Ah, ao covarde, creio que seja desnecessário, duvido muito que venha me enfrentar de qualquer forma…

Os fios de cabelo de Liane ameaçavam explodir em descargas elétricas de altíssima voltagem no meio do salão, fritando o mundo ao seu redor num piscar de olhos. Até mesmo as lentes dos óculos tremiam, trovões rúbidos circulavam por dentro das pupilas, demandando a morte de alguém imediatamente.

Se não fosse pela mão pesada de Grey sobre seu ombro, ele teria surtado. O toque fez com que o cabelo voltasse ao normal, parando de flutuar, enquanto a força foi reduzida das palmas. Ainda estavam brancas por baixo das luvas, mas talvez tivessem perdido qualquer fluxo de sangue pelo tamanho ódio rotacionando pelo coração de Liane.

Diretor Trion demorou demais para reagir. Ele queria que essa apresentação fosse leve e engraçada, assim iniciando um belo ano harmonioso na Academia Aquaria, mas uma única pessoa arruinou qualquer chance disso acontecer. Não à toa o diretor desejou mais do que tudo enterrar sua cabeça sete palmos debaixo da terra após tamanho desastre.

O pior disso tudo foi o som das portas se fechando abruptamente com força o bastante para quebrar as dobradiças, deixando para serem vistas duas silhuetas, uma em especial magra e pequena. Naquele momento, o diretor viu todo o seu esforço se desmanchar igual algodão ao vento. O pior de tudo, a culpa era inteiramente sua, por ter permitido uma pessoa fora de si e de um mundo completamente diferente daqueles em Kirstein de falar à todos.

“Eu preciso mudar essa situação antes que seja tarde!” Ele pigarreou, agarrando de volta o aparelho e falando em alto e bom tom: — Ho… haha, não se preocupem, crianças! Foi só uma brincadeira animadora da senhorita Solaris, por favor, aproveitem muito bem o semestre, dispensados!

A multidão começou a se dispersar, cheia de reclamações e com uma clara vontade de cortar o pescoço de uma certa loirinha. Trion sentiu uma imensa vontade de chorar, o peso da reputação da Academia estava em seus ombros e tudo isso parecia prestes a desmoronar. Ele olhou de soslaio para as três figuras, o único com qualquer sinal de decência foi Delphiane.

— Vocês dois… — Apontou para o garoto de cabelo verde e a jovem. — O que diabos estavam pensando?! Eu consigo tolerar uma piada, mas o que fizeram foi… querida Lithia, como eu posso descrever em palavras?

— Ei, não me coloque nesse meio! — O dominante de magia de vento falou, cruzando os braços. — Não fui eu quem provocou metade da Academia com essa fala! Foi só uma piada!

— Sim, sim, eu sei, mas não tira o fato de que você quase me fez passar uma vergonha absurda… — Um longo suspiro escapou dos pulmões de Trion, enquanto olhava para a moça.

Na sua posição atual, poderia muito bem expulsar qualquer aluno médio da Academia com uma ordem, mas seus poderes pouco fariam efeito naquela figura. Mesmo uma advertência adiantaria de nada, pois Solaris não era uma pessoa normal nos parâmetros sociais e mágicos, ela era àquem do mundo de Kirstein e ignorava suas normas sociais e cultura melhor do que qualquer estrangeiro.

Ao invés de continuar brigando com aquelas crianças, ele pediu para que os outros dois fossem embora e optou por levar Solaris até ao seu escritório, para uma conversa extremamente séria. Ele cruzou as mãos sobre a mesa, querendo procurar um meio de perfurar o rosto de pedra da garota.

— Senhorita, eu sei que a vida no deserto é muito diferente dessa, e que vocês possuem o hábito de instigarem uns aos outros por provocações e ameaças. Eu entendo. Porém, esse seu jeito não trará bons resultados nessa terra, muito pelo contrário, terá mais efeitos negativos do que qualquer outra coisa.

— Não menti, senhor Diretor. Não entendo como minhas palavras afetam de maneira ruim o desempenho dos demais, especialmente aqueles que tentarão me enfrentar.

— Veja bem, nós temos alguns alunos especiais esse ano. Vocês são três deles, mas há outros em diferentes áreas que não necessariamente foram bons no teste prático. Uma dessas pessoas era quem você chamou de covarde. Ele é um convidado muito especial, muito mesmo, que foi creditado e apoiado desde sua descoberta…

— Isso não muda o fato. Se você demonstra tanta força, porque diabos iria evitar entrar em contato com outros do seu nível e se manter escondido? Para mim, é uma ação covarde.

— Senhorita, essa pessoa está sob condições especiais, tanto que recebe cuidado pela igreja. O motivo dele estar se escondendo e mantendo o perfil mais baixo possível é uma questão de prudência, entregá-lo tanta atenção terá repercussões muito sérias e…

Um tilintar repentino ecoou na sala. Trion virou a cabeça de leve, sua pedra de comunicação no canto da mesa havia começado a tremer e parecia que não ia parar tão cedo. Ele respirou fundo, encarando mais uma vez a jovem à sua frente.

— Hah. Tudo bem, escute essa conversa comigo, ela irá esclarecer muitas nuances à respeito. Só pelo amor de Lithia, não faça isso de novo, você está se condenando e levando minha carreira junto!

— Não sei como uma coisa afeta a outra.

“Minha Lithia, como diabos permitiram que essa garota viesse aqui sem um senso comum básico?!?”

Com a cabeça prestes a explodir de dor, o diretor apertou no meio do símbolo da pedra hexagonal, que emitiu uma nova cor. Houve resposta, por meio de uma voz suave e melódica, mas carregada de ódio, muito incomum para uma santa que era o símbolo supremo de pureza no reino:

— Bom dia, senhor Trion. Vim pedir algumas explicações importantes…