Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 204: Intermédio Planar
Existia uma diferença muito clara nos rituais demoníacos e nos rituais comuns dos deuses mais cultuados, encontrada na forma como a comunicação era feita. Quando se falava com Lithia, o fiel precisava se ajoelhar e falar com a deusa em voz-alta ou na sua mente, expondo seus sentimentos e desejos. Com Morev’O, havia a necessidade de uma dança para expor o coração, mostrando a consciência e as impurezas da alma por meio da agitação nos movimentos e na maneira como era feita.
Quanto aos demônios, uma língua completamente diferente aparecia. Eles possuíam seu próprio idioma, dominado pela esmagadora maioria dos seres maléficos submundo — criaturas mais antigas como o cão da gula Muriel podiam conversar pela língua comum, acontecendo devida à sua antiguidade e contato com os mortais no mundo terreno.
Por causa disso, unido a imprevisibilidade dos comportamentos, ações e desejos dessas existências diabólicas, muitos temiam e destruíam qualquer vínculo com demônios, mas devido a sua existência mais do que milenar, eles sempre retornavam em alguma forma.
No entanto, não só a comunicação estava entre as propriedades da energia demoníaca. Dreno de poder vital, corrupção do espírito, projeção astral e diversos outros efeitos se incluíam nas capacidades de um portador das artes sombrias, e sua natureza caótica era responsável por inúmeros conflitos no passado. Não à toa os países baniram as práticas e a igreja passou a caçá-los, pois seus rituais também demandavam sacrifícios. Tudo se resumia a uma troca, a acordos com monstros do além.
O que Liane fez não se divergia muito disso aos olhos de Solaris. Os dois agora estavam num plano entre a realidade e o plano espiritual, presos num fluxo de tempo congelado.
Solaris continuava com os “olhos arregalados”, sem entender direito porque estava presa naquele lugar e porque seu espírito não retornava ao corpo. Liane conseguiu puxá-la para perto, escondendo-se com ela num atrás de um conjunto de caixas. O garoto não hesitou em ficar o mais perto possível, seu coração estava pulsando muito forte.
A jovem só pôde ver uma silhueta adentrando a sala, um espectro feito de piche e em constante deterioração. O ser olhou para dentro e passou reto dos dois corpos congelados, girando a cabeça desmanchante pelos arredores antes de sair.
A respiração de Liane só voltou ao normal quando a criatura foi embora, permitindo que Solaris se afastasse um pouco. Ao ter certeza de que não havia resquício de presença alguma, ele sussurrou:
— Eu preciso que você seja silenciosa e ande comigo, ok? Agora já é tarde demais…
— Você fez um ritual demoníaco…
— Sim, eu fiz, mas não para me comunicar com demônios, foi para projetar meu espírito para fora.
Ele respirou fundo e relaxou, mesmo num corpo espectral, o cansaço mental era tão verdadeiro quanto na realidade.
— Só preste atenção, nós vamos sair daqui. Você só precisa me acompanhar, ficar quieta e de nenhuma maneira encostar naquelas coisas, entendeu?
— Você fez um ritual demoníaco…
— Por favor, não fica desse jeito…
Solaris entrou num tipo de estado de choque, repetindo as mesmas palavras enquanto o olhava com uma expressão extremamente espantada. Isso era de se esperar, a garota nunca teve contato com rituais demoníacos e a vida inteira foi ensinada o quão horripilantes eles eram, que os cultistas responsáveis por realizarem-nos sacrificavam crianças, virgens, mulheres grávidas, doentes e qualquer pessoa que consideravam apto para o ritual.
Em certo sentido, essa versão estava mais do que correta, mas nem todos os rituais necessitavam de pessoas, apenas uma troca equivalente. No caso de Liane, ele escolheu trocar seu próprio sangue por alguns minutos numa forma astral. O que não esperava foi o fato de Solaris entrar na equação.
Sem escolha, agarrou a mão dela, guiando os dois através dos corredores. A criatura feita de piche negro era uma manifestação da energia demoníaca, não necessariamente um demônio, mas uma amálgama de energia perdida que foi convertida naquela coisa. Eles assombravam esse intermediário dos planos, e só os deuses poderiam proteger o destino de quem os enfrentava, ganhando o nome de “Corruptores”.
— Venha, depressa, não podemos demorar.
Solaris foi guiada pelo caminho, eles saltaram de uma janela e caíram no gramado sem sofrerem dano, pois a forma espiritual retirava parte do contato físico. Eles não podiam atravessar paredes ou o chão, porém por serem feito de nada além da alma, não sofriam dano ou seguiam à risca as regras da física. Gravidade e outros fatores ainda se aplicavam, mas quando desciam do topo de um lugar, era impossível de sentir qualquer coisa ao atingirem o chão.
A princesa repetia as mesmas coisas em loop, mas Liane não podia deixá-la para trás. Se um Corruptor a encontrasse… não, ele não devia imaginar o resultado.
O caminho em seguida foi pelos bosques, além das cercas de metal negro da academia. Ambos cobriram uma longa distância, esquivando-se dos seres de piche atormentando o caminho, parando assim num conjunto de ruínas desmanchadas.
Solaris sentia um grande desconforto quando olhava aquele lugar. Ainda assim, ficar para trás era perigoso, por isso acompanhou Liane para as escadarias abaixo.
Nenhum Corruptor ocupava o subsolo, na verdade, as ruínas mais pareciam desoladas de vida, sem um antigo fiel para chamar ou uma pessoa que pudesse reconstruir seu legado. Os passos do garoto foram calculados, como se já soubesse onde devia chegar, e assim, ele chegou ao seu destino: a sala larga com uma placa de pedra no centro. Estava idêntico às memórias, a rocha lascada em vários pedaços e o local abandonado pelo tempo, exceto por uma única diferença: uma mulher sinuosa sentada na estrutura.
Liane engoliu seco. A imagem era igual à de memórias muito antigas, o cabelo roxo e escuro como a noite, pincelado pelos tons mais sombrios de uma paleta de cores. Mechas vermelhas decoravam as pontas do cabelo, contrastando as partes mais negras com um escarlate saturado. Seu corpo perfeito demonstrava um tipo de vestido que cobria até o pescoço, escondendo qualquer traço anatômico de humanidade.
A pessoa inclinou o rosto para a entrada. Liane e Solaris observaram de volta, apreensivos. Não havia um rosto… ou havia, e era simultaneamente indistinguível. As íris mudavam constantemente, nunca parada numa única cor, enquanto a face parecia em um estado de entropia infinito, nunca podendo ser reconhecível.
— Oh, vejo que você chegou, e com uma acompanhante, Liane… Eu senti saudades.
Um sorriso largo apareceu, contendo uma fileira de dentes pontiagudos.
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