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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Eles retornaram para a sala de depósito, esquivando-se dos Corruptores pelo caminho. Um frio lentamente os consumia, resultado do espírito querendo se unir ao plano em que estavam, mas Liane impediria de qualquer modo que isso acontecesse. Na sala do ritual, ele colocou Solaris próxima ao seu corpo paralisado, então foi em direção ao seu e uniu as mãos, girando-as em sentidos contrários de forma que tocasse os pulsos com os dedos.

    Aquele gesto evocou luzes ao redor, um clarão dispersou o efeito do ritual, e eles estavam de volta ao mundo em que nasceram. Liane abriu os olhos, encarando o chão mal iluminado pela luz da lua. Rapidamente se virou para trás, mas já era tarde, alguém caiu sobre ele e o empurrou contra o chão.

    A garota apoiou suas mãos no piso, encarando-o por cima. Ambos estavam muito próximos, e Solaris pela primeira vez teve um vislumbre claro do rosto de Liane.

    Grandes olhos vermelhos, cintilantes de vida, dançando sobre a cor vinho e as pupilas pretas, enquanto a pele pálida de fantasma escondia os traços finos do rosto. A franja do cabelo, agora jogada para trás, expunha um par de sobrancelhas pequenas, enquanto as mãos para o alto revelavam um físico não muito forte, mas magro e frágil, braços que poderiam quebrar no menor sinal de força.

    Por algum motivo, Solaris congelou. Ela não saia do lugar, concentrada na figura diante de si, hipnotizada por aquela aparência. Era a primeira vez que a princesa de Coraci encontrava alguém tão… bonito? Sim, bonito, muito mais do que as outras pessoas que conheceu ao longo da vida.

    — Você pode sair de cima de mim? — perguntou Liane, com um semblante cheio de desconforto.

    — Ah…

    A realização enfim apareceu. Ela saltou para trás igual um gato assustado. Não houve rubor nas bochechas, mas uma vergonha escondida no coração apareceu, como se tivesse feito uma besteira e não quisesse ser pega.

    “Por que eu fiquei parada?”, a pergunta martelou na mente confusa. Virou o rosto mais uma vez na direção dele, dessa vez percebendo um detalhe preocupante. — Sua mão! Está sangrando!

    Liane viu a palma ensanguentada sem se importar muito. Ele fechou a ferida com um pano que guardava dentro da bolsa jogada ao lado do círculo e bebeu uma poção junto, tratando isso com a maior naturalidade do mundo. Solaris ficou boquiaberta, não acreditando que a pessoa à sua frente sequer mostrava expressão diante de uma ferida perigosa como essa.

    Ela acompanhou o garoto limpar a cena, remover o sangue com um pano limpo, retirar o sal e tirar qualquer sinal de que alguém esteve ali. Depois de tudo, sentou-se numa cadeira abandonada, arrumando os objetos dentro da bolsa.

    A princesa acompanhou tudo cheia de incredulidade. Para ela, que sempre viveu rodeada de histórias assustadoras sobre quem interferia com espíritos malignos, essa cena era simultaneamente um choque e um medo tirado no fundo das memórias. Engoliu seco, descrente que aquele quem pediu sua amizade tinha um segredo macabro desses.

    — O que… O que você é? — questionou para o garoto, que observava um canto isolado da sala.

    — Eu não sei, Solaris. — Liane respirou fundo, passando a mão nos olhos e atravessando os fios de cabelo com os dedos. — Eu só… estou querendo ajudar meu amigo. Aquele que você viu é Erika, só quero tirar ele de lá. O que nós passamos foi um ritual de projeção, ele faz com que nossos espíritos saiam do corpo por alguns momentos, então tecnicamente não estou interferindo com demônios…

    — É magia negra, você está quebrando as leis naturais desse mundo.

    — E o que eu posso fazer? Morrer de velhice e esperar que meu amigo se liberte por conta própria?

    Solaris tomou o silêncio como resposta. Em contrapartida, Liane só soube suspirar. Os pés dela ainda estavam sujas de sangue, pois vestia o pijama e nada nos pés. Ele saiu do assento e se ajoelhou na frente dela, removendo as marcas vermelhas nos dedos com um lenço, dizendo:

    — Com licença…

    — Obrigada.

    A princesa soltou um aceno de cabeça e recuou depois de ter os pés limpos. Ainda habitava uma sensação conflitante no peito. Ela desejava estapear o rosto de Liane para retirar ideias tão absurdas de sua cabeça, mas ao mesmo tempo sua coragem sumia quando a tentação aparecia. O conselho de seu pai sempre revivia dentro da cabeça, congelando os movimentos.

    Ajudá-lo significaria se unir aos demônios? Talvez, esse temor que fazia Solaris ficar em tamanha dúvida. Por outro lado, não era fácil apenas dar as costas e sumir, revelando o segredo para as massas e para a igreja. Na sua própria indecisão, escolheu entender, tomando um caixote para descansar a mente exausta depois de tamanho perigo.

    — Eu quero… ouvir o que você tem a dizer.

    — Tá falando sério? — Liane ergueu a sobrancelha, esperando uma reação muito mais extrema. — É uma história longa, e eu não sei se devo contar a você.

    — Eu juro pelo meu deus, Morev’O, que não revelarei nada que me disser.

    Quando se jurava pelo nome de um deus, significava que a pessoa estava mais do que disposta a manter uma promessa. Pessoas como Cristal, Vylon e Grey, ao usarem essa forma de falar, poderiam sofrer graves punições contra a própria deusa Lithia ou até por seus superiores. Ir contra o nome de quem era cultuado significava trair a confiança desse ser divino.

    Liane respirou fundo, puxou a cadeira mais uma vez para se sentar e juntou os dedos. Para falar assim e ainda ser uma herdeira das maiores religiões do continente, Solaris não poderia estar mentindo. Ela causou muitos problemas ao longo da academia, tinha um jeito idiota e não entendia direito as convenções sociais, e mesmo assim, o garoto se sentiu inclinado para contar.

    Decidiu jogar a toalha. Sua boca se abriu, contando sobre o passado de sete anos atrás em detalhes, falando sobre o que aconteceu com Er’Ika, sobre como conheceu o paladino Grey e sobre como a situação com a igreja apareceu. Era a primeira vez que se abria como um livro para outra pessoa, para que ela julgasse à sua maneira o que passou.

    Liane não omitiu nada, pela primeira vez libertando o fardo pesado de frustração no peito.


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