Índice de Capítulo

    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    A aula de versos mágicos avançados prosseguia como qualquer outra — rabiscos no quadro, teoria esquecida entre bocejos e um sol que insistia em ferir a retina pelos vitrais altos. Imo Calvenar desistiu de prestar atenção, sua mente se distraía nos traços que fazia no canto da página, desenhos infantis que qualquer um confundiria como um ataque pessoal à arte contemporânea.

    Era sempre assim, ele não se importava muito em prestar atenção com as aulas, no final sabia que sua performance era o mais importante e que o resto poderia ser resolvido puxando algumas cordas. Ele era muito talentoso, com certeza o diretor não o prejudicaria.

    “Eu queria passar um tempo sozinho com a Liane…”

    Esse pensamento o fez cair nas nuvens. Era tão inesquecível ver a garota com aparência nerd tê-lo protegido da tirana Solaris, tratando de causar o mesmo nível de humilhação com uma derrota rápida. Inevitavelmente, assim como a maioria das pessoas que rodeavam aquela criatura mística de olhos vermelhos, Imo se apaixonou.

    Algo parou em cima do seu caderno: um papel dobrado. Olhou de lado. Liane evitava o contato visual, com o rosto apoiado numa das mãos e a outra escrevendo sobre a superfície do papel, parecendo desinteressada do restante do mundo.

    Imo abriu o bilhete com cuidado, na verdade, seu coração estava a mil. Poderia ser uma confissão? Igual aos sonhos de todo aluno médio da Academia Aquaria, que desejava viver um romance pitoresco e extremamente fantasioso dentro daquelas paredes? Isso seria o início de um longo namoro, um dos quais ele jamais esqueceria e ia acreditar como seu primeiro amor para sempre? Não, óbvio que não.

    Qual é a verdadeira influência da família de Seraphina dentro da Igreja?

    Imo piscou. Ele coçou os olhos e releu o conteúdo, descrente da escrita. Depois de uma segunda conferida, imediatamente seu semblante se dobrou para baixo, cheio de tristeza, sendo retirado das suas ilusões de amor puro. Aquilo era quase o equivalente a um coração partido.

    Que tipo de pergunta era essa? O garoto rabiscou uma resposta no mesmo papel e empurrou de volta, mas sua caligrafia estava meio tremida por conta da dor de uma falsa expectativa.

    Os D’Munt têm laços antigos com o Alto Clero de Lithia, por parte da mãe, mas nas últimas gerações tem perdido contato com a Igreja devido a questões pessoais dentro da família.

    Liane leu com um franzir de sobrancelhas imperceptível. Imo, depois disso, preferiu se concentrar na aula do que passar mais um segundo se iludindo, mas o bilhete havia plantado uma pulga atrás da orelha, impedindo-o de focar no professor baixinho, ranzinza e careca que não parava de mexer as mãos enquanto falava. Mais tarde, quando a sineta mágica tocou e a sala esvaziou, Liane já estava recolhendo suas coisas de modo apressado. Imo hesitou por um momento, devido a presença de Grey ao lado, mas decidiu segui-la.

    — Ei! — chamou, alcançando-a no corredor. — Você me deve uma explicação, sabia?

    Liane olhou para frente, como se medisse a distância até o destino. Depois de alguns segundos, a resposta saiu enganchada entre os lábios:

    — Vamos ao refeitório. Preciso comer alguma coisa.

    Imo os acompanhou em silêncio até lá, ainda esperando uma resposta. O salão estava tranquilo, com estudantes espalhados em mesas mais afastadas e o burburinho comum das fofocas entre nobres. Liane pegou uma tigela de sopa e um pão seco, sentou-se sem pressa, com movimentos metódicos e o jeito casual que costumava se portar na mesa. Imo tomou o lugar à frente dela, impaciente.

    — Lianezinha, você sabe que essa pergunta é delicada, não sabe? Perguntar dos outros sendo plebeia pode te dar uma atenção ruim.

    Liane mergulhou a colher na sopa, sem levantar os olhos. Já Grey, ficou bastante preocupado, entendendo que o seu protegido queria se envolver com algo relacionado à nobreza.

    — Só estou curioso. Seraphina tem… ficado muito estranha ultimamente.

    — E você acha que ela vai atacar você por causa disso? — indagou o paladino, lembrando-se do episódio no castelo Valtóris. — Seria uma afronta direta a Igreja de Lithia, é mais do que um xingamento ou brincadeira de mal gosto.

    Liane ergueu o olhar. Seus olhos vermelhos emanavam um brilho diferente, quase como se fossem capazes de enxergar além do semblante comum das pessoas. Eram olhos frios, calculando uma série de possibilidades diferentes em busca do melhor resultado.

    — Não tenho certeza, só que entendo o que as pessoas são capazes de fazer umas com as outras se tem ódio envolvido no meio. É por isso que preciso entender o jogo que ela está jogando.

    Imo ficou mais confuso. Tecnicamente, estava no aniversário de Erienne, pois ela era sua irmã. Até descobriu mais tarde o que aconteceu, mas no momento não deu muita relevância porque envolvia um plebeu, mesmo que fosse curioso a presença de um paladino.

    — Espera, você encontrou Seraphina antes em outra ocasião? Eu lembro que no aniversário da minha irmã mais velha teve a presença de um paladino e que ela se envolveu num problema, mas não imaginei que você estava lá. É por isso que está querendo prevenir o que vai acontecer?

    — É por causa de muitas coisas — respondeu Liane, arrancando um pedaço do pão com os dentes. — Seraphina tem um ódio profundo por mim, sei disso por conta da minha amiga Silva e do que ela me repassou durante convenções nobres. Seraphina não economiza saliva para falar mal de mim, mesmo só tendo descoberto meu nome este ano.

    O silêncio caiu entre eles, cortado apenas pelo som de talheres batendo nas outras mesas. Imo sentia que estava no meio de algo que mal compreendia, mas aprendeu com suas irmãs que, quando se lida com política — e com pessoas perigosas — era melhor escutar do que falar demais. Liane potencialmente se encontrava na posição de “pessoa perigosa”, isso ficou claro no combate contra Solaris.

    Se quisesse, a princesa de Coraci nunca mais andaria, ou sequer estaria viva agora. Imo entendia que quando uma nobre ganhava grande desdém de outra pessoa, em circunstâncias normais, a pessoa desaparecia do dia para a noite. No entanto, Liane não se enquadrava como “pessoa normal”, a proteção da Igreja de Lithia recaia sobre seus ombros, isso estava claro na presença de Grey. Atacá-lo equivalia a atacar a igreja, e mesmo com contatos e proteção das pessoas de lá, seria dificílimo sair ileso.

    “Além disso, essa garota é toda misteriosa. Eu sei que tem peixe grande envolvido, Seraphina também deve saber depois que viu a reação do diretor Trion quando ele a acompanhou para o campo.”

    Engoliu em seco. O semblante reservado de Liane também indicava uma coisa a mais, um tipo de planejamento se desenvolvendo na sua mente. Seja lá o que estava se desenrolando na sua cabeça, Imo teve medo, medo do que diabos aquela menina faria para se safar das garras de uma nobre obsessiva.


    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota