Índice de Capítulo

    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Liane começou o dia no mesmo estado que terminou o anterior: confuso, inquieto e desejando não ter dito metade das coisas que disse. Procurar abrigo nos livros parecia a única forma de fugir do próprio cérebro, e foi o que fez assim que teve uma oportunidade. Enterrado nas páginas grossas de um tomo antigo sobre culturas continentais, ele murmurava frases para si, olhos saltando entre parágrafos na esperança de que alguma distração surgisse.

    Mas não foi distração o que encontrou. Foi pânico.

    “Na tradição Coriacana, o beijo é um símbolo ancestral de compromisso matrimonial, reservado ao parceiro com quem se deseja selar união eterna. Seu valor simbólico é tão forte que, ao ser concedido, equivale a um pedido formal de casamento — mesmo que não verbalizado.”

    Liane fechou o livro de uma vez, fazendo um estrondo abafado que arrancou olhares de estudantes próximos na biblioteca. Seus dedos tremiam. Sentiu uma gota de suor escorrer pela têmpora.

    — Não, não, não… isso não pode ser verdade… — sussurrou para si mesmo, enquanto abria o livro novamente para conferir se havia lido certo. E havia. Várias vezes.

    Solaris era Coriacana. Solaris o beijou.

    Ele apoiou a testa sobre as páginas abertas, desejando evaporar. Qual era a probabilidade de um gesto de distração política virar um pedido de casamento acidental? Infelizmente, Grey estava por perto o suficiente para perceber o estado dele, e, pior, interessado o suficiente para puxar uma cadeira e se sentar com aquele ar de quem já sabia demais.

    — Então… leu sobre os beijos coriacanos, né?

    Liane grunhiu em resposta, tentando se afundar ainda mais no livro. O paladino riu, aquele riso baixo e debochado que parecia ter sido treinado apenas para torturar adolescentes culpados.

    — Sabe, isso é só a ponta do iceberg. Se ela aceitou o beijo, significa que te reconhece como alguém em potencial para o título de consorte. E se ela foi a responsável pelo segundo beijo… bem… isso aí sela o acordo nos costumes antigos.

    Liane virou a cabeça lentamente na direção de Grey, os olhos arregalados, o rosto mais vermelho que uma maçã polida.

    — Você tá inventando isso.

    — Estou? — Grey deu de ombros, como se a verdade fosse irrelevante — Vai querer arriscar?

    Sem saber o que fazer com o próprio corpo, Liane se ergueu da cadeira como uma vassoura desgovernada, abraçou o livro contra o peito e foi direto para o refeitório, o único lugar onde poderia misturar-se ao caos e esperar que ninguém viesse puxar conversa. Sentou-se numa mesa vazia, cabeça baixa, bufando, ainda ouvindo o riso abafado de Grey atrás dele.

    Quando pensou que sua vergonha estava segura ali, ouviu uma voz suave vinda detrás.

    — Bom dia, Liane.

    Era Imo, que se aproximava com sua expressão calma e sempre tão neutra, equilibrando uma bandeja com graça quase felina. Um belíssimo filé refletindo a gordura dourada estava no prato, acompanhado de uma nojenta comida gourmet chamada “ervilha”.

    — Eu… bom dia — respondeu Liane, ainda com o rosto parcialmente enterrado nas páginas do livro que trazia consigo.

    Imo sentou-se sem cerimônia, observando o modo como a amiga — ou paixão — escondia até os cílios. Era um comportamento deveras esquisito comparado ao jeito frio de antes.

    — Está tudo bem?

    Grey chegou logo depois, equilibrando uma maçã em cima da própria caneca e sorrindo como se tivesse acabado de ganhar o dia.

    — Ah, está sim. Nosso amigo aqui só acabou de propor casamento para uma princesa estrangeira ontem à noite.

    Liane bateu a cabeça contra o livro. Literalmente.

    — GREY!

    Imo arqueou uma sobrancelha, curioso.

    — Casamento?

    — Beijo, cultura coriacana, tradição, compromisso vitalício… aquelas coisinhas simples da vida diplomática. — Grey sorveu um gole de sua bebida como se fosse vinho fino. — E o melhor de tudo: ele não fazia a mínima ideia.

    Liane deslizou até quase desaparecer sob a mesa. Tudo que queria era uma cratera. Um poço sem fundo. Um livro grande o suficiente pra ser soterrado sob ele. Imo pareceu muito sereno, na verdade, a tranquilidade em seu rosto era digna de uma derrota dentro de um ringue. Ele olhou por um momento para o teto, uma lágrima invisível desceu pela bochecha enquanto contemplava suas escolhas de vida.

    Era a primeira vez que sofria um baque tão grande desde a rejeição de sua amiga de infância, e agora estava vendo a pessoa da qual se apaixonou ser tomada por alguém completamente diferente, e pior, muito melhor do que ele. A dor foi duas vezes maior, mas ainda assim, manteve a compostura e falou num tom baixo:

    — É melhor conversar com Solaris. As interpretações de Grey tem uns… exageros criativos.

    Grey ergueu a caneca como um brinde e exibiu um enorme sorriso, totalmente incaracterístico da conversa de uns dias atrás a respeito de um cultista demoníaco naquelas paredes. No final, tinham que manter as aparências de qualquer modo.

    — Culpe a minha especialização em peças teatrais da Igreja de Liithia.

    Liane bufou, enterrado no livro. Como que as coisas poderiam sofrer uma mudança tão drástica assim? Há um momento atrás, rituais demoníacos sinistros permeavam pelas suas mãos, e de repente ele estava declarando casamento com a princesa de outro país igual um adolescente bobo. Por que diabos o mundo tinha que alternar entre uma comédia anormal e assuntos tão sombrios que causavam enjoos nas pessoas comuns? Ele passou a mão pelo cabelo, querendo achar silêncio na mente barulhenta.

    Grey só sabia rir do infortúnio de seu protegido, colocando a mão dentro do bolso e pondo uma pulseira em cima da mesa. O objeto tinha o triângulo de Lithia, junto de uma liga metálica que enrolava ao pulso e minúsculas inscrições na parte interna. Era uma bela peça de artesanato, seja lá quem fez, devia ter uma habilidade excelente. O paladino fez um movimento rápido de levar o objeto até a mão de Imo e largou uma resposta por meio do olhar.

    “Pegue e esconda.”

    O nobre recuou a mão e suspirou, tendo entendido o significado por trás da pulseira. Era sua proteção contra os demônios e qualquer ação contra ele no futuro.

    — Bom, não sei o que dizer… parabéns, eu acho?

    — Não diga parabéns pra mim! — escandalizou Liane, finalmente ficando expressivo depois de dias de frieza. — Eu não fiz por querer! Eu não sabia!

    “Fofa.” Imo cruzou os braços, passando a mão no queixo para pensar, até enfim dizer: — E se tiver um jeito de resolver isso?

    — Hã? Como que se quebra um pedido de casamento fácil assim…?

    — Ora, é de senso comum que se a outra parte for prejudicial para a noiva ou noivo, é possível desistir do casamento. Ninguém se casaria com gente louca, sabendo que ela pode te matar, certo?

    Naquela hora, um luminorbe explodiu de iluminação na cabeça de Liane. Estava tão claro o tempo todo, ele só precisava ser tão ruim que Solaris desistiria dessa ideia absurda!

    — Imo, você é um gênio!

    — Eu sei, eu sou o melhor mesmo. — Ele balançou a franja para cima igual um ator, tratando de dar de ombros para mostrar seu jeito legal. — Inclusive, eu queria saber se…

    Não demorou nem um segundo depois de sua ideia que Liane havia sumido dali. Outra lágrima desceu da bochecha de Imo, que se via traído pelo mundo e prestes a entrar na mais profunda depressão. Era mesmo tão difícil amar alguém assim?


    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota